Josephine tem sete anos e os melhores amigos do mundo, isto se levarmos à letra a célebre canção de Marilyn Monroe. Mas, se falamos de diamantes, o brilho não basta para ofuscar a sensação de que é um daqueles luxos que dificilmente sacodem de si um fútil encantamento, esse esforço patético de quem faz tudo para cheirar a dinheiro à légua, e tanto carrega no perfume que por onde passa acaba por provocar uma certa náusea. Nova de mais para passar das Barbies a uma mentalidade de Barbie, Josephine foi notícia no mundo inteiro porque o pai quis. Comprou-lhe um diamante famoso, o Blue Moon (Lua Azul), e pagou por ele um valor recorde: cerca de 45 milhões de euros. E porque quem compra manda, rebaptizou a pedra em homenagem à filha.
O diamante passou assim a chamar-se Lua Azul de Josephine. Com 12,3 quilates, segundo David Bennett, o director da divisão internacional de joalharia da Sotheby’s – casa que leiloou a jóia –, a venda bateu vários recordes, tornando o Blue Moon o “mais caro diamante independentemente da cor, e a jóia mais cara alguma vez vendida em leilão”. “Para mim o Blue Moon sempre foi o diamante azul da minha carreira. Nunca vi uma pedra tão bela – pelo corte, pela cor e pela pureza. É uma pedra mágica”, disse Bennett.
Se a raridade é o que basta para muitos, às vezes é necessário um verdadeiro talento poético para justificar esse clássico já vulgar que é gastar uma fortuna numa pedra de luz. Vamos então dar uma hipótese aos sonhos de princesa e citemos o negociante de pedras preciosas de Cormac McCarthy no filme “O Conselheiro” (2013): “Tomar parte do destino sem fim da pedra, não é esse o verdadeiro sentido de adorno? Realçar a beleza da amada é reconhecer tanto a sua fragilidade como a nobreza dessa fragilidade. O nosso momento de maior nobreza ocorre quando anunciamos à escuridão que não nos deixaremos diminuir pela brevidade das nossas vidas.”
O pai é Joseph Lau, e o seu desejo de mimar da forma mais extravagante a filha ameaça assumir contornos lendários. Na véspera, este multimilionário de Hong Kong tinha comprado outro raríssimo diamante para a filha, uma pedra cor-de-rosa de 16,08 quilates, a maior do seu tipo a ir a leilão – neste caso pela casa rival, Christie’s. Custou 26,5 milhões de euros e Lau deu-lhe o nome de Sweet Josephine.
Mas o amor de Lau pela filha e a necessidade de o coroar publicamente não ofuscaram um outro acontecimento menos glorioso na vida do magnata do imobiliário. Aos 64 anos, o ex-presidente da gigante Chinese Estates Holdings – listado pela “Forbes” como o sexto homem mais rico da antiga colónia britânica e o 114.o homem mais rico do mundo, com uma fortuna estimada em 9,2 mil milhões de euros – é um fugitivo, depois de ter sido condenado à revelia em Macau, no mês de Março do ano passado, por corrupção e branqueamento de capitais, num processo conexo ao do ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas Ao Man-long – o mais corrupto funcionário público alguma vez condenado pela justiça na história da cidade.
Quanto a Lau, tem a reputação manchada mas não se espera que cumpra um só dia dos mais de cinco anos de prisão a que foi condenado, porque o antigo enclave português não tem um tratado de extradição com Hong Kong. A não ser que regresse voluntariamente à cidade, Lau não tem com que se preocupar.
O levantamento dos presentes oferecidos pelo magnata às mulheres da sua vida contam a história de um homem para quem o dinheiro se tornou algo puramente virtual, um jogo de cifras, e as filhas – Josephine, de quem já falámos, e Zoe, de 13 anos, fruto de um anterior casamento – são repetidamente homenageadas, sempre da mesma forma: as pedras mágicas baptizadas em seu nome.
Em 2009 Lau tinha já gasto 9,5 milhões de dólares (8,8 milhões de euros ao câmbio actual) num outro diamante azul, a que chamou Star of Josephine. Em Novembro passado comprou outro diamante azul, de 9,75 quilates, por mais de 30 milhões de euros e um rubi birmanês de 10,10 quilates por cerca de 8 milhões de euros. O primeiro foi chamado Diamante de Zoe e o segundo Vermelho de Zoe.
Além dos presentes às filhas e da propensão para gastos exorbitantes, Lau é coleccionador de obras de arte e vinhos. A esta hora, pendurada numa parede de alguma das muitas casas de Lau, ou talvez até enfiado nalgum cofre, “Te Poipoi” (A Manhã), pintado por Paul Gauguin em 1892 – uma das mais encantadoras cenas taitianas do artista em mãos privadas –, terá de ser um dos mais desoladores exemplos de um mundo em que os grandes frutos do talento e da Terra acabam como adornos da vida de jogadores profissionais de monopólio. J