Filantropia: amor à humanidade. Foi em nome desse bem-estar colectivo que Mark Zuckerberg e Priscilla Chan, a sua mulher, anunciaram esta semana que iam doar 99% das acções do Facebook que detêm em seu nome. A serem doados de imediato, esses 42,5 mil milhões de euros atirariam o casal para o primeiro lugar da lista de maiores filantropos de sempre nos EUA. Mas as doações para a Chan Zuckerberg Initiative serão feitas ao longo das suas vidas.
Antes deste anúncio, Chan e Zuckerberg já tinham um lugar reservado nessa lista dourada. Num artigo de Outubro deste ano, a revista “Forbes” reuniu os 50 nomes dos maiores “dadores” norte-americanos. O fundador da rede social e a mulher ocupavam o 24.o lugar. Tinham doado, só em 2014, mais de 62 milhões de euros. Nos últimos dez anos, desde que alcançaram o estatuto de multimilionários, Mark e Chan já tinham oferecido 1,5 mil milhões de euros.
Muito dinheiro? Sem dúvida. Mas, nestas lides, Bill Gates é dono e senhor do palco. O fundador da Microsoft – homem no primeiro lugar dos mais ricos do mundo ao longo de vários anos – já dispensou mais de 30 mil milhões de euros para obras e projectos de solidariedade. George Soros fechava essa contagem com um total de cerca de 10 mil milhões de euros entregues à solidariedade.
Nessa lista elaborada há dois meses pela “Forbes”, o casal Gates surge em primeiro lugar. O segundo nome é o de Warren Buffett. O homem-forte da Berkshire Hathaway, detentora de um conglomerado de outras empresas que cresceu a partir de uma fábrica do sector têxtil, soma aos 85 anos doações na ordem dos 20 mil milhões de euros.
UM MUNDO MELHOR QUE O DE HOJE Priscilla e Mark anunciaram através de uma carta a doação dos 42,5 mil milhões de euros, através da Chan Zuckerberg Initiative, ao mesmo tempo que mostravam as primeiras imagens da primeira filha do casal. “Sabemos que esta é uma pequena contribuição, comparado com todos os recursos e talentos das pessoas” que já se dedicam a ajudar outros, escreveram os novos pais à filha recém nascida.
“Como todos os pais, queremos que cresças num mundo melhor que o de hoje”, lê-se nas primeiras linhas. O desejo não é propriamente original, mas a forma como decidiram pôr em prática esse plano, essa sim, é diferente – ainda que não seja inédita. É que o próprio Warren Buffett (com menos impacto mediático, é certo) já tinha garantido que abdicaria de 99% da sua riqueza até ao fim dos seus dias.
Esta semana, Mark e Priscilla explicaram o que pretendem alcançar em concreto. “Hoje, a maioria das pessoas morre por cinco factores – doenças cardíacas, cancro, enfarte, doenças neurodegenerativas e infecciosas – e nós podemos fazer progressos mais rápidos nestes e noutros problemas.” Mas as preocupações sociais são bem mais alargadas. No documento de 2200 palavras, a família Zuckerberg mostra-se preocupada com o “potencial” de cada um. “Se tiveres uma infância pouco saudável, é difícil que atinjas o teu potencial máximo. Se te questionas sobre se terás dinheiro para comida ou para a renda, ou se estás preocupado com a violência e o crime, então é difícil alcançares todo o teu potencial. Se tens medo de ser preso em vez de ir para a faculdade por causa da cor da tua pele, ou que a tua família seja deportada por causa da tua situação legal, ou se temes ser vítima de violência por causa da religião, orientação sexual ou identidade de género, então também é difícil alcançares o teu potencial”, refere a carta. “Precisamos de instituições que compreendam que estas questões estão todas relacionadas.” O casal segue o exemplo de outras figuras – umas mais conhecidas que outras – que consignaram partes significativas das suas contas bancárias à ajuda a terceiros bem menos favorecidos.
O PASSEIO DOS FILANTROPOS A vida de Hollywood não era aquilo que Tom Shadyac queria. O realizador de comé- dias como “Ace Ventura: Detective de Animais” só se descobriu depois de alcançar um estatuto de algum relevo entre os egos da cidade das estrelas.
O dinheiro e a fama sabiam a pouco e, por isso, Shadyac tomou uma decisão: vender casas (pode chamar-se-lhes mansões) e carros e abdicar dos milhões para comprar uma bicicleta e uma casa móvel. Essa momento de revelação não caiu do céu. Foi só depois de um grave acidente de viação que o realizador percebeu que o sentido da vida passaria por ajudar quem não tinha nada. Desde essa altura tem-se dedicado a espalhar a sua mensagem por quem estivesse disposto a ouvi-lo.
Mas Tom Shadyac não foi o único milionário a tomar medidas drásticas. Em Maio deste ano, no dia em que morreu, o empresário chinês Yu Pang-lin cumpriu a sua promessa: não deixou um cêntimo da sua riqueza aos filhos.
Pang-lin tinha 93 anos, mas o gesto tinha sobretudo uma intenção simbólica. “Se os meus filhos são mais capazes que eu, não há necessidade de lhes deixar rios de dinheiro. Se eles são competentes, esse dinheiro todo só vai prejudicá-los”, disse o magnata, que tomou essa decisão em 2010.
Bono, Jon Bon Jovi, George Edward Hilt, Cliff Richard, Michael Bloomberg, George Clooney, Walt Disney, Alfred Nobel – a lista é bem mais extensa que estes meros exemplos, e também há quem em Portugal se dedique a ajudar. É o caso das famílias Champalimaud, Soares dos Santos ou António Mota. Basta fazer uma pesquisa na internet para encontrar dezenas (centenas?) de personalidades que anteciparam as pisadas mais significativas que o fundador do Facebook decidiu dar esta semana. No mesmo sentido, talvez um dia os milionários de todo o mundo se juntem para encontrar um modelo de distribuição mais justa da riqueza gerada.
CASOS
Michael Jackson
Cantor
A figura é controversa. Mas MichaelJackson inscreveu o seu nome no livro de recordes doGuiness. Não por ter sido o maior filantropo de todos os tempos em termos financeiros, mas porque foi o artista que apoiou o maior número de organizações de caridade, com qualquer coisa como 500 milhões de dólares para estas obras. Além das distinções que a filantropia lhe mereceu, Michael Jackson ajudou a fundar a Heal de World Foundation (a Fundação Curar o Mundo).
Christopher Catrambone
Empresário
Em Julho de 2013, quando centenas de pessoas já tinham atravessado o Mediterrâneo rumo à Europa, Christopher Catrambone deparou-se de perto com o drama vivido pelos refugiados: um casaco claro a boiar na água, num passeio por aquele mar, trouxe-lhe a noção dos milhares que tentaram a travessia e pagaram a viagem com a própria vida. Com metade da fortuna fundou uma associação e agora percorre o Mediterrâneo à procura
de náufragos.