Só um apostador muito temerário terá o atrevimento de colocar todas as suas fichas na previsão de que o governo de António Costa vai durar o tempo da legislatura, ou seja, quatro anos.
Essa é uma “improbalidade” (perdoe–se a invenção da palavra) muito, mas mesmo muito forte. E, ao contrário do que muitos possam pensar, a primeira razão pode não ter a ver directamente com o apoio do Bloco, do PCP, do PEV ou do PAN.
Pode ter a ver, sim, com o desempenho e os problemas passíveis de se gerarem dentro do próprio governo.
Quase todos os analistas consideraram, com razão, o executivo forte, aliando experiência e maturidade políticas a capacidades técnicas e inovação. Mas esqueceram-se de olhar para as zonas de colisão potenciais. E são muitas.
O desenho do governo é complexo, dado o seu gigantismo (17 ministros e 41 secretários, e alguns destes terão mais poder do que certos ministros), e tem sobreposições que são muito evidentes e difíceis de gerir sem atritos. Só a produção das respectivas leis orgânicas é coisa para levar um ano e picos, o que diz bem do imbróglio que aí vem para que cada um saiba em concreto no que manda e em quem manda.
É uma espécie de desenho ao contrário da versão inicial do governo de Passos Coelho, baseado em superministérios que criaram uma confusão danada no país, até porque os seus titulares pouco ou nada sabiam dos meandros da política e da administração pública.
Há, portanto, na actual situação, uma primeira linha de perigo que radica no interior e na eficácia, ou falta dela, do próprio governo. Esse é, porventura, o maior inimigo do próprio executivo se não houver efectiva capacidade de o fazer funcionar sem rupturas e crispações internas que todas as oposições políticas, económicas ou comunicacionais tentarão explorar quotidianamente.
A este problema vai juntar-se a circunstância de se tratar de um governo inteiramente dependente da Assembleia da República, onde pontificará uma curiosa e nova entidade informal em que se acertarão e negociarão muitas coisas respeitantes ao próprio governo. Não será fácil, convenhamos. Daí que, na prática, o governo tenha o seu número dois fora da equipa formal, pois Carlos César fica no parlamento à frente da bancada socialista.
Sabe-se que Costa e César são políticos hábeis e inteligentes, dotados de experiência e sobretudo pragmatismo, mas a tarefa é ciclópica para assegurar uma base estável de governação.
A isto soma-se, como é natural, a evolução das vontades políticas autónomas do Bloco e do PCP/PEV que, cada um por seu lado, têm nas mãos a possibilidade de fazer cair o governo quando muito bem lhes apetecer, seja por razões de fundo ou de mera oportunidade eleitoral.
Uma situação destas é, evidentemente, inédita e, por definição, instável. Curiosamente, o cimento da união à esquerda pode estar no comportamento da oposição. Quanto mais Passos e Portas se mantiverem coesos e unidos, e marcadamente à direita, mais os partidos de esquerda tenderão a fazer o contraponto e a manter uma aliança, mesmo frágil, para cuja sobrevivência cada um terá de fazer cedências, de modo que não acabe tudo rapidamente e com estrondo. Um fracasso seria, obviamente, o afastamento da esquerda da área do poder durante, pelo menos, duas ou três legislaturas. No entanto, é óbvio que na cabeça de cada partido na oposição ou no governo estará sempre a procura do melhor momento para provocar uma crise que leve a eleições, o que é legítimo mas complicado para o país no seu todo.
Claro, além das crises há imponderáveis resultantes de, por exemplo, eleições autárquicas e europeias que, teoricamente, antecederão legislativas e que também fazem cair governos e líderes partidários. E há, obviamente, a figura do próximo Presidente da República, embora neste caso, e venha quem vier, haja a certeza de que será sempre alguém mais dialogante e disponível do que Cavaco Silva neste seu final de mandato. (Uma nota para recordar que neste espaço se tinha admitido há várias semanas a possibilidade forte de já não ser o actual Presidente a receber o Orçamento, até por razões ligadas à discussão na especialidade).
Jornalista