Solidão. Um estado de alma que pode levar à morte

Solidão. Um estado de alma que pode levar à morte


Afinal, a solidão é muito mais do que isso. Interfere directamente com o sistema imunitário, tornando-nos mais fracos e susceptíveis a doenças.


“A solidão mata” é uma daquelas frases feitas que nenhum de nós tenderá a levar à letra, mas a ciência tem vindo a dar pistas de que a morte associada à solidão pode ir muito além do sentido figurado. Uma equipa de cientistas americanos, liderada pelo psicólogo John Cacioppo, demonstrou que nas pessoas que se sentem sós os genes relacionados com o sistema imunitário reagem de forma mais debilitada na missão de atacar infecções.

Uma pessoa que se sente só tenderá a desenvolver sentimentos de tristeza, stresse, angústia e depressão. Essa relação já foi feita por centenas de estudos, inclusivamente o de John Cacioppo, autor de vários livros sobre a solidão e um dos precursores da chamada neurociência social. Cacioppo concluiu que, no caso dos mais velhos, há 14% de aumento de risco de morte quando se vive só. Ainda assim, todos sabemos que estar só não é bem o mesmo do que sentir-se sozinho – muitos dirão até “mais vale sozinho que mal acompanhado”. Até que ponto isso será verdade, não sabemos. 

O que a equipa de investigadores da Universidade de Chicago concluiu é que existe uma relação muito forte entre a solidão e o comportamento genético. Algo que outra investigação de Lisa Jaremka, da Universidade do Ohio, já tinha demonstrado em 2013, quando os cientistas descobriram que as pessoas que se sentem sós revelavam sinais de elevada reactivação do vírus latente do herpes, produzindo mais proteínas associadas a inflamação que as pessoas socialmente mais activas. Estas proteínas foram descritas como um sinal da presença de inflamação e a inflamação crónica, por sua vez, está ligada a numerosas doenças, como a doença cardíaca coronária, a diabetes tipo 2, a artrite ou o Alzheimer.

Desta vez, a equipa de Cacioppo quis perceber de que forma a solidão afecta os genes que determinam a resistência do nosso sistema imunitário e a respectiva formação de monócitos e glóbulos brancos, responsáveis pela defesa do organismo. Este grupo de cientistas já tinha descoberto uma relação entre a solidão e um fenómeno que chamaram resposta transcricional conservada às adversidades (CTRA, sigla original em inglês) e que, trocado em miúdos, poderia ser encarada como a reacção genética à solidão. A investigação mostrou que esta resposta específica se manifesta particularmente nos genes que intervêm na inflamação, o primeiro grande sinal de alerta do corpo quando há infecção. Ao mesmo tempo, os investigadores notaram uma diminuição das capacidades de defesa do sistema imunitário. 

Para chegar a estas conclusões, os cientistas testaram a resposta imunitária dos seres humanos, mas também dos macacos (os primatas mais sociais que existem e para os quais o isolamento forçado é um dos maiores castigos). No grupo dos seres humanos, em 141 cidadãos de Chicago (EUA) 25% consideraram-se socialmente isolados na escala de solidão criada pela Universidade da Califórnia em Los Angeles há já algumas décadas. 

Depois de determinado quem se encontrava em estado de solidão, os cientistas analisaram o comportamento de vários genes relacionados aos monócitos em vários momentos dos cinco anos do estudo. Segundo a publicação na “Proceedings of the National Academy of Science” dos Estados Unidos, aqueles que diziam sentir-se sozinhos reproduziam a tal alteração genética CTRA, que a equipa já tinha estudado. Essa alteração caracterizou-se por um aumento da resposta inflamatória e, paralelamente, uma diminuição da reacção dos genes relacionados com a defesa do organismo quando exposto a vírus e a bactérias.

Do estudo dos norte-americanos conclui-se, por exemplo, que as pessoas são mais susceptíveis aos vírus das vias respiratórias quando estão sozinhas. Descobriram ainda que a solidão pode antecipar até um ano este comportamento genético. “A expressão genética dos leucócitos e a solidão parecem ter uma relação recíproca, o que sugere que cada uma pode ajudar a propagar a outra ao longo do tempo”, destacam os investigadores, citados pela agência noticiosa France Press. Esta alteração genética pode explicar por que razão, por exemplo, vários casais de idosos acabam por morrer com pouco tempo de intervalo um do outro. “Estes resultados são específicos do sentimento de solidão e não podem ser explicados por uma sintomatologia depressiva, stresse ou apoio social”, explica o psicólogo.

Relativamente aos estudos feitos com macacos, os cientistas também conseguiram relacionar a solidão com a saúde destes animais. Na urina dos macacos catalogados como solitários foram encontrados níveis de restos de um neurotransmissor conhecido como norepinefrina. Esta substância intervém na manutenção do estado de alerta numa situação de ameaça. A sua função no sistema imunitário é estimular as células-mãe da medula óssea para que estas gerem e ponham em circulação mais monócitos, que acabam na corrente sanguínea antes do tempo.

Comprovada cientificamente a relação entre a solidão e o sistema imunitário, os cientistas quiseram ir ainda mais longe. Através dos dados recolhidos, infectaram 17 macacos com o vírus da imunodeficiência em macacos – semelhante ao HIV dos humanos. Apesar de a amostra não ser muito grande, comprovou-se que os macacos que se sentiam sós mostraram uma resposta pior contra o vírus.