Não me lembro de quem disse um dia que homens e mulheres só poderiam alguma vez ser amigos se houvesse “antipatia sexual”, mas percebo a ideia. É, na verdade, um resumo de muitas certezas antigas baseadas numa expectativa de desigualdade absoluta entre os sexos. Homens e mulheres seriam, portanto, diferentes ao ponto de nunca se poderem encontrar ou de serem eternamente incompatíveis, como defendia com graça G. K. Chesterton.
Há muita melancolia na conversa sobre a diferença entre homens e mulheres. A conversa não terminou mas é ela própria uma ruína de um mundo que mudou. A conversa não acaba também porque é romântica. Não “romântica” no sentido alemão Sturm und Drang do termo mas no sentido do “romance”, que, segundo os mais reaccionários, só pode existir se entre homens e mulheres for cultivada precisamente a desigualdade que permite a aproximação amorosa entre os sexos. Como se o erotismo só fosse possível quando não há “respeito”. Para os melancólicos, a desigualdade é “sexy” e a igualdade uma ameaça à paixão.
A amizade entre homens e mulheres também não parece ser bem vista por liberais, mas talvez por motivos que terão mais que ver com amor–próprio do que com uma visão demasiado sexualizada da humanidade. Ser “só” amigo é uma expressão que suscita pena e desconfiança. Se o homem é “só” amigo da mulher, isso significa que ele, coitado, não serve para mais nada. Serve “só” para ser amigo, que é como quem diz que é um bom ombro para chorar, etc. Não só é minimizado por não ser capaz de despertar o desejo na mulher, como a “amizade” que mantém com ele não é de galhofa, mas de recurso na tristeza. Do mesmo modo, a mulher que é “só” amiga de um homem nunca pode ser realmente “só” amiga. Mulheres mais conservadoras rejeitam instintivamente o epíteto, talvez porque “amiga” tenha sido em tempos outra palavra para “amante”. Ainda hoje um homem que tem “umas amigas” até pode ser amigo de todas mas aos olhos de muitos e muitas, o que ele quer sabemos nós.
É certo, no entanto, que os amigos (feminino e masculino) só em situações muito raras se tratam por “amigos”. E quanto mais evidente para ambos for a amizade, menos existe a necessidade de esclarecer a relação. Também há aquelas pessoas que “ficam amigas” de amores passados. Mas este caso é demasiado misterioso para mim e não me sinto habilitada a falar sobre ele. Voltando ao que interessa, sim, mulheres e homens podem ser amigos, porque podem ter uma relação entre iguais, mesmo sendo diferentes. Como naquele vídeo em que vemos, respectivamente, um tigre a conviver pacificamente com uma cabra ou naqueloutro em que um cão é inseparável de um elefante. Se uma coruja pode ser amiga de um gato? Sim, pode. Longe de mim querer afirmar que existe uma diferença de espécie entre os sexos. É só uma metáfora que torna claras as nossas diferenças ao mesmo tempo que aponta para a possibilidade de, apesar delas (ou por causa delas), sermos amigos uns dos outros. Nem o homem nem a mulher vivem só de paixão.
Escreve à segunda-feira