Se for para continuar assim, mais vale acabar


Ouvir as figuras do jogo faz sentido. Mas não para dizer o que outros pensam por eles


As pessoas gostam de ouvir os protagonistas, saber o que têm para dizer, como viveram o momento que definiu o resultado de um jogo ou de uma prova. Gostam de ouvir os testemunhos na primeira pessoa, sem barreiras, sem lugares--comuns. E com sinceridade.

É por isso que as biografias das grandes figuras têm tanto sucesso. Mesmo que seja com anos de atraso, não há quem enjeite a possibilidade de descobrir o que passava pela cabeça de Pelé quando foi campeão em 1958, pela de Wilt Chamberlain quando marcou 100 pontos ou pela de Lance Armstrong quando “venceu” o primeiro Tour. Digam o que disserem, se for espontâneo e pessoal terá sempre interesse.

Há 20 anos, essa tendência era facilmente vista no futebol português. Vivia-se muito a era do “foi o comentário possível” dito pelos repórteres de pista. Treinadores e jogadores eram abordados à entrada para o relvado, ao intervalo, à saída, e quase não havia restrições. Mesmo que nem sempre houvesse resposta, o esforço valia a pena.

A procura forçou uma oferta e entrou a era da burocratização. Se as pessoas querem ouvir, vamos dar-lhes isso, mas com critério. Foi criado o momento das entrevistas rápidas. Os repórteres de pista deixaram de ter acesso directo aos jogadores – ai deles que pisem o relvado que podem logo ser tratados como invasores –, mas passou a haver um local específico para o fazer (para a televisão que transmitiu o jogo).

É um lugar mais tranquilo, em que já se pode ter as ideias no sítio e não tanto no calor do relvado com os nervos à flor da pele. Mas esse espaço permitiu também que se conseguisse manipular por completo o que é dito. As assessorias de comunicação ganharam importância e não há uma vírgula que seja dita hoje em dia que não faça parte de uma manobra estratégica qualquer apenas ao alcance dos mais iluminados. Se em 1992, por exemplo, Sousa Cintra respondeu a perguntas imediatamente a seguir aos golos de Balakov e Iordanov frente ao Benfica (basta procurar no YouTube), hoje há cada vez mais barreiras.

É por culpa disso que nunca se saberá o que pensou Gonçalo Guedes do Sporting-Benfica. É por culpa disso que os jogadores já nem são obrigados a pensar e agem como autómatos nas mãos de cérebros ocultos que se reduzem a lugares-comuns para travar uma estratégia rígida que não admite desvios. Gonçalo Guedes é só um exemplo, foi a última vítima da perversão de uma boa ideia e que ajuda a estupidificar os jogadores (em todos os clubes). Porque ali, naquele momento, ninguém acreditou que a mensagem não tivesse sido decorada com instruções claras para não se alongar mais. E é uma pena: Ruben Amorim e Layún, só para lembrar alguns, já mostraram que vale muito a pena ouvir o que os intervenientes têm para dizer.

Por muito boa ideia que tenha sido, se é para ser degradada assim, mais vale acabar.

Coordenador de desporto
Escreve ao sábado