A ementa repete-se: dois dias, 13 palcos, 53 bandas que tornam a zona da Avenida da Liberdade numa peregrinação cool. No cartaz estão nomes como Ariel Pink, Benjamin Clementine, Roots Manuva, entre outros como Georgia e Roger Plexico.A primeira é britânica, o segundo é nome de dupla portuguesa, ambos dão a volta ao hip hop. Como extra damos dois roteiros.
Georgia
A craque que virou artista
Júlio Iglesias foi guarda-redes dos escalões jovens do Real Madrid. Rod Stewart jogou no Brentford. Viremos a página. Hélton é baterista numa banda de covers. Neno já lançou um disco de originais. Mas isto não é só coisa de guarda-redes. Georgia Barnes jogou, dos 8 aos 16 anos, a extremo nas camadas jovens do Queens Park Rangers e, posteriormente, do Arsenal. “Quando era miúda estava sempre a brincar na rua. A questão é que andava sempre com os rapazes, sempre no meio deles a jogar futebol, era o que gostava de fazer. Um dia alguém me viu jogar e convidou-me para ir jogar para o Queens Park Rangers. E apesar de a música ter sido sempre o meu foco, o futebol era um hobby de que sempre gostei. Adorava estar em campo, jogar na rua, marcar golos… era incrível”, começa por contar ao telefone a filha de Neil Barnes, membro do conjunto britânico de electrónica Leftfield.
Tendo-se feito ao caminho bem cedo, Georgia foi baterista de gente como Kwes e Kate Tempest, numa linguagem sempre ligada ao hip-hop. O disco homónimo editado em Setembro assume desejos de nova ordem que a londrina definiu para si. É, portanto, um dos concertos a não perder no Vodafone Mexefest. Amanhã às 21h45, no Teatro Tivoli BBVA.
Não ficamos por aqui. Ouniverso de Georgia Barnes merece um estudo mais dedicado… até porque as singularidades que fazem desta jovem de 21 anos uma figura que promove tanta curiosidade não acabaram. Terminado o ensino secundário, Georgia optou por frequentar o curso superior de musicologia na School Of Oriental and African Studies de Londres. “Foi apenas curiosidade. Queria apropriar-me, aprender as sonoridades orientais e africanas, sons de zonas mais remotas do mundo, afastadas da nossa realidade ocidental. Queria expandir o meu horizonte, perceber como a música é consumida, o que significa para as pessoas. O que se revelou uma experiência fantástica. Fez-me ver as coisas doutra maneira”, confessa.
Duvida, caro leitor? Dê uma oportunidade ao disco. Analise a forma como mistura tendências grime e instrumentais asiáticos em faixas como “Be Ache” e “Kombine”, a determinação na forma como se exprime, forrada por um experimentalismo possível de testemunhar nos mais diversos samples e na atmosfera meio tribal que o disco sugere. Caso para dizer que a universidade foi o tubo de ensaio para o disco de estreia? “Completamente.
O que queria com este disco era criar faixas verdadeiras, verdade no sentido da forma como vejo a música e como gosto da mesma. Tenho por exemplo vozes gravadas na Zâmbia nos anos 70, adoro sobrepor texturas… tudo isso acabou por surgir muito naturalmente enquanto estava a fazer o disco”, confirma.
No Vodafone Mexefest, Georgia assume-se inteira, foge do rótulo de caloira alternativa e está na frente do palco, em nome próprio, como sempre quis. “Sempre tive o objectivo de criar uma carreira a solo, fazer o que quero fazer, tentar acrescentar alguma coisa a este mundo a nível musical. Estar na bateria atrás de outros artistas foi uma experiência incrível, aprendi muito e não o mudaria por nada. Mas também me fez acreditar que eu era capaz”. Sábado é dia de tira-teimas.
Roger Plexico
Os dois pratos do mesmo bairro
Panamá na cabeça, óculos escuros amarelos, barba densa, cigarro no canto da boca, casaco de cabedal. Roger Plexico é dos que não gosta propriamente de regras, apesar de, como Zeus e Hades, não morrer com um tiro. “O Roger Plexico é quase uma figura paternal para nós, como se tivéssemos duplicado uma pessoa, que se existisse seria, de facto, uma referência, alguém com muitas histórias por contar, de viagens e que nos conseguisse representar”, conta Slimcutz que, a par de Taseh, formam a dupla de produtores conhecida como Roger Plexico. Depois de dois EPs e um LP (“No Man’s Land”, editado em Junho) por sua conta juntam-se a Ace (Mind da Gap) para editar um disco colaborativo homónimo.
Além disso, a dupla actua hoje, sem Ace, no palco Ciência Rítimica Avançada do Vodafone Mexefest que é igual a dizer Sala Delta do Palácio Foz e que conta com curadoria do jornalista Rui Miguel Abreu. É ler e seguir a correr para o concerto.
Slimcutz e Taseh são daqueles rapazes que passaram a vida a roubar maçãs de mercearias enquanto percorriam o quarteirão da sua casa. Bom, não temos bem a certeza se chegaram a pecados como este, mas que sempre foram parceiros de rua e de copos ninguém pode negar. “Eu e o Taseh trabalhamos juntos desde sempre, na minha primeira banda, aquele hip-hop que fazemos quando somos miúdos, o Taseh já fazia parte, há mais de dez anos. Moramos na mesma zona e sempre estivemos envolvidos nos projectos um do outro. Há cerca de dois anos sentimos a necessidade de fazer um projecto juntos, achámos que a melhor maneira de o fazer seria personificar tudo o que nos influencia, temos um gosto parecido… assim nasceu o Roger Plexico”, conta Slimcutz.
Omesmo que afirma que a opção por este disco a meias com Ace não foi idealizado à partida, como tantos outros tropeções que damos na vida este acabou numa queda positiva. Daqueles acasos que podem bem suceder a qualquer música que ande pelo país fora em digressão com amigos: “Já tocava com Mind da Gap, depois o Ace começou a vir comigo em algumas das minhas actuações e nestas viagens de carro, noites nos hotéis, há muito tempo perdido para conversar e mostrar coisas. Tínhamos falado ao Ace deste projecto, e a nossa ideia inicial era fazer um género de uma mixtape com mais convidados, só que o Ace era a pessoa mais próxima, era a ele que mostrávamos tudo. Ele foi gostando tanto dos beats que chegou a uma altura em que só fazia sentido fazer este disco com ele”, diz o produtor.
Roger Plexico é quase um regresso a tempos idos, não tanto na música que faz, antes no conceito que define à partida onde o produtor é o patrão, como nos primeiros passos do rap, onde o DJ cedia a garagem e chamava os amigos MCs para cantarem por cima dos seus instrumentais, na época das mixtapes. Slimcutz explica a sua opinião em relação a este holofote que actualmente se voltou a apontar para o cozinheiro dos beats. “Não sei bem explicar. A verdade é que existe actualmente uma cultura muito grande em torno do beat, quer na Europa, quer nos EUA, muito por culpa de editoras como a Stones Throw ou a Brainfeeder, uma coisa muito Los Angeles. Por consequência, o produtor tem mais relevo, o que me parece é que qualquer DJ e produtor ganha mais pica por ver o sucesso dos outros, isso é óptimo. O instrumental é 50% da música.”Hoje, noVodafone Mexefest, a percentagem deve aumentar.