Numa rua movimentada de uma metrópole norte-americana ao pé do mar, uma enorme tela trava a multidão. No ecrã – um colossal raio X – estão dois esqueletos. Beijam-se. Abraçam-se. Beijam-se de novo. Dão as mãos. Depois correm separados para cada uma das extremidades da tela. Do lado esquerdo aparece uma mulher. Do lado direito outra mulher. A multidão aplaude o casal de lésbicas. “O amor não tem género”, lê-se no painel negro.
A cena repete-se. Agora é uma mulher negra e um homem asiático. “O amor não tem raça.” Na cena seguinte, dois pequenos esqueletos dançam e rodopiam: são duas irmãs, uma delas com síndrome de Down. “O amor não tem deficiências.” O desfile continua. Um judeu e um muçulmano, vizinhos e amigos, abraçam-se; uma reverenda, com a cruz de Cristo ao peito, aperta a mão da amiga que veste um sári e exibe um bindi na testa. Todas estas imagens fazem parte de uma campanha publicitária que quer alertar para o preconceito implícito e que tem vindo a ganhar seguidores nas redes sociais.
Preconceito todos sabemos o que é, mas implícito? O que será isso? “A maioria dos americanos acreditam que as pessoas devem ser tratadas com respeito”, explica-se no site da campanha, “mas muitas pessoas continuam a sentir-se discriminadas.” O que parece um paradoxo tem uma explicação lógica: o subconsciente é responsável por 98% dos nossos pensamentos e é aí, a um nível profundo, que guardamos e vamos buscar os nossos preconceitos invisíveis. Acima de tudo, o importante é observarmos os nossos preconceitos quando eles surgem e sabermos reeducar-nos, recorda o AdCouncil, entidade responsável por esta e muitas outras campanhas institucionais nos EUA.
É o caso de Rebecca, uma americana de meia-idade, e um dos muitos testemunhos da campanha. Separada do seu grupo, teve de sentar-se sozinha numa enorme sala de cinema. “Dei por mim a rejeitar lugares com base em quem ficaria sentado ao meu lado. Cor de pele, etnia, idade, sexo e por aí fora.” Quando Rebecca percebeu o que estava a sentir, fez aquilo que a campanha nos aconselha a fazer: reeducou-se. “Tomei então a decisão consciente de me sentar onde normalmente me sentaria, esquecendo com quem iria dividir o braço da cadeira de cinema.”
Costumava ter medo de que ela chegasse a casa com um rapaz branco e agora pergunto-me a mim própria: ‘O que me incomoda mais? Que a Aliyah chegue a casa com um rapaz branco ou com uma rapariga negra?’”
Com Michelle, uma mulher afro-americana a quem cabe educar a sobrinha adolescente, passou-se algo semelhante. Aliyah chegou a casa e contou-lhe que seis das 12 raparigas com quem joga basquetebol são lésbicas. “Eu achava que não era homofóbica, mas de repente tive de dormir sobre este assunto. Só conseguia pensar que elas a iam recrutar.” Michelle, que agora se sente embaraçada com os seus próprios pensamentos, percebeu que o seu preconceito era mais fundo do que pensava. “Costumava ter medo de que ela chegasse a casa com um rapaz branco e agora pergunto-me a mim própria: ‘O que me incomoda mais? Que a Aliyah chegue a casa com um rapaz branco ou com uma rapariga negra?’”
A importância de saber quando estamos a ser preconceituosos está em, na maioria das vezes, os comentários que nos parecem banais poderem estar a magoar outra pessoa ou a perpetuar um estereótipo. E mesmo uma pessoa que acredita não ser racista pode fazer um comentário que o é. Aconteceu com Jorge, um trabalhador da construção civil que vive no Arizona, quando um dia ouviu da boca do patrão: “És um bom trabalhador, não és como os outros mexicanos.” Ou com Rachel, uma estudante judia que ofereceu 50 cêntimos à professora de Física para tentar convencê-la a adiar um teste. “50 cêntimos é muito dinheiro para um judeu”, atirou um dos colegas. E o que foi dito para parecer um elogio foi ouvido como um insulto.
Mais informações no site da campanha lovehasnolabels.com
Quiz: “Sou preconceituoso ou não?”
Se acha que não tem preconceitos escondidos, as respostas a este teste podem surpreendê-lo. Pense se responderia “sim”, “não” ou “não tenho a certeza” e leia a interpretação que se segue. Este questionário faz parte da campanha “Love has no labels” e pode ser feito aqui (versão em inglês)
1. Quantas vezes especifica a raça de uma pessoa quando não é relevante para o assunto (por exemplo, o médico negro, a advogada latina ou o advogado branco)?
Raça. Introduzir uma descrição racial ou étnica pode ser
uma forma escondida de preconceito. Se não está relacionado com a história ou com a situação, porque sente que tem de mencioná-lo?
2. Alguma vez deduziu que alguém é bom ou mau numa actividade (desporto, ciências, condução, cozinha) por causa da raça?
Raça. Embora não esteja ligado a um estereótipo óbvio, significa que está a assumir características sobre alguém só por ser de uma raça ou cultura diferente.
3. Alguma vez perguntou a alguém: “De onde és realmente”?
Etnia. Quando lança esta questão a alguém fisicamente diferente de si, está implícito na sua pergunta que não acredita que aquele indivíduo tenha realmente raízes do país onde está. Devia antes perguntar a alguém como se identifica ou de onde vêm os seus antepassados.
4. Alguma vez gozou com um rapaz dizendo-lhe que pare de agir como uma menina?
Género. “Pára de te comportar como uma menina” é um insulto comum em vários países do mundo. Comentários como este, que parecem banais, dão força aos estereótipos e ao preconceito (inconsciente)
de género, que pode ter consequências na confiança e no amor-próprio.
5. Alguma vez evitou olhar nos olhos uma pessoa portadora de deficiência, física ou mental, estando frente a frente com ela?
Deficiência. As pessoas portadoras de deficiência muitas vezes enfrentam formas subtis de preconceito que podem tornar difícil o seu contacto com terceiros. Por vezes as pessoas evitam envolver-se com deficientes. Noutros momentos, simplesmente ignoram-nos.
6. Alguma vez assumiu que o companheiro da sua colega de trabalho é uma mulher?
Sexualidade. Nem todas as pessoas estão em casamentos ou relações tradicionais. Ou podem não ter uma mãe/pai/ família nuclear tradicional. Há milhões de casais do mesmo sexo. Seis milhões de crianças e adultos americanos têm um progenitor da comunidade LGBT (não há números para Portugal).
7. Alguma vez assumiu que um idoso é menos competente para lidar com tecnologia e redes sociais?
Idade. A nossa cultura popular retrata muitas vezes as pessoas mais velhas como retrógradas, fracas ou incapazes. E isto funciona nos dois sentidos. Muitos jovens já ouviram a velha frase: “Não passas de um miúdo.”
8. Já alguma vez evitou sentar-se ao lado de alguém, ou se escusou a olhá-lo nos olhos por causa do peso?
Tamanho do corpo. Mais de metade das pessoas com excesso de peso dizem ter sido em algum momento estigmatizadas pelos colegas de trabalho. Este tipo de discriminação atinge muita gente, incluindo menores, e é um dos principais motivos de as crianças serem vítimas de bullying nas escolas.