Em 1974 foi editado “So what if im Standing in apricot jam”, um conjunto de temas feitos de folk com sotaque britânico – daquele ácido, como o final dos 60 tão bem fabricou – e com os olhos postos em gente que dava a volta às estruturas clássicas da canção, já em plenos 70. Sempre a guitarra acústica, um ou outro elemento a querer surpreender, e poesia urbana, assinada por um tipo observador mas que também não tinha medo de se revelar no meio dos acordes. O artista era Howard Eynon, nascido em Londres, criado na Tasmânia e mais tarde com morada assente em Melbourne, Austrália. Quarenta anos depois, esse mesmo disco é vendido a mil dólares na internet. Há sempre gente boa atenta ao que faz a diferença. Neste caso foi a londrina Earth Records, que recuperou o disco e voltou a pôr Howard nos palcos. A digressão europeia que o traz hoje a Lisboa, à ZDB, é a primeira do músico e a nova edição do disco inclui duas canções inéditas. Ao que parece mais haverá. Eynon tem 68 anos e vive tudo isto como uma criança fascinada por um mundo sempre novo. O artista agradece, a família diz que ele faz muito bem e nós lançámos–lhe algumas perguntas sobre esta bela história.
Uma digressão europeia em 2015. Que lhe parece tudo isto?
Está tudo a começar. A partir deste concerto em Lisboa é que é tudo a sério e depois vou estar ocupado, sempre, durante as próximas três semanas. Ainda não sei bem como tudo vai ser porque estou ainda no início mas só pode ser coisa boa.
Isso quer dizer que está nervoso?
Não. Bom, talvez, dentro daquilo que é normal em relação ao nervosismo destas coisas, acho. Estou sobretudo excitado com tudo isto. De vez em quando há um sentimento esquisito mas passa. Estou a fazer isto porque me parece o mais acertado. Tenho a perfeita noção de que para muitos isto pode parecer esquisito. Chegar aos 68 e fazer a primeira digressão, isso queriam todos. A mim parece-me perfeitamente natural, esquecendo aquilo que se passou nos últimos anos, em que não estive nada metido nestas coisas. Até porque isso são pormenores.
Visto à distância parece mais uma sorte que uma coisa estranha.
Pois eu penso exactamente o mesmo.
Quando soube que o álbum era uma peça cobiçada por coleccionadores, que era uma espécie de lenda, o que sentiu?
Isso da lenda, bom, depende do ponto de vista… Foi sobretudo uma enorme surpresa. Foi o meu filho que me enviou um link de um site americano que vendia o disco por mais de 800 dólares. 800 dólares… Não é preço que se dê a um disco. E isto aconteceu há uns dez anos, talvez. Mas nem sabia se havia de acreditar naquilo, parecia-me tudo relativamente… impossível. Quando percebi que era tudo verdade fiquei contente, finalmente percebi que algumas pessoas realmente gostam da música que fiz, embora tenha sido há muitos anos.
E pouco depois surgiu uma editora inglesa a querer relançar o disco.
E isso foi extraordinário. Não só porque este álbum específico ia voltar às lojas, mas porque me deu um novo alento quanto àquilo que tinha vindo a fazer durante todos os anos em que na verdade não fiz nada, pelo menos em relação à música. Sempre tive comigo ideias, pequenas gravações, coisas inacabadas, curtos instrumentais. Quando me disseram “queres fazer uma tour?”, acho que alguma coisa entro de mim disse “sim” muito antes de o poder dizer em voz alta. Como se fosse uma criança entusiasmada com uma novidade.
Porque é que não seguiu a carreira de músico, porque é que desistiu logo após este disco?
É a pergunta certa mas não é muito fácil responder-lhe. A Austrália é um país conservador. Pode não parecer mas é. Tem poucas pessoas e uma vastidão de território imensa, acho que tem a ver com isso. Tinha uma família, já na altura, e quando assim é há sempre a questão do “é preciso fazer dinheiro” ou “o melhor é arranjar um emprego a sério” e esse tipo de coisas. Estas coisas parecem meio absurdas mas quando as vivemos não são.
Mas e o disco, já estava feita a estreia, isso não ajudou a construir uma carreira?
Pois… na verdade não tive muito feedback na altura. Lembro-me de algumas pessoas me perguntarem se tinha sido eu a fazer aquilo mas era tudo numa de curiosidade, acho eu. Sabia que ia chegando a alguns mas nunca houve nenhuma onda que me fizesse pensar em algo com mais ambição. E acabei por fazer outra escolha.
Alguma vez se arrependeu?
Como explicar isto… Naquela altura ainda tinha umas quantas coisas para aprender sobre a vida e não sabia. O tempo trabalha de maneiras engraçadas para nos complicar as contas, e assim sendo a coisa fica estranha. É mais ou menos isso.
Começou a ser relativamente conhecido num programa de televisão.
Sim, o “New Faces”. Era uma espécie de “The Voice” mas de outra altura. Ou seja, estes programas não estão a inventar nada, ainda que muita gente pense que se trata de uma revolução televisiva recente. Mas não. Se bem que eram coisas mais locais, só funcionavam nas regiões de Victoria e New South Wales. Quem ganhava o concurso acabava por ter alguma notoriedade no país. Eu fui andando, passando as eliminatórias, ainda hoje acho que tive mais sorte que outra coisa. De repente estava na final e ganhei. Foi isso.
E nessa altura o que o levou à música, quem tinha como heróis?
Tanta gente… Os Stones, The Who, Jethro Tull, Jefferson Airplane, Dylan, Donovan, Leonard Cohen. Mas na verdade tudo isto que estou aqui a dizer é meio intemporal, não é? Ainda ouço estas coisas, claro, tal como muita gente mais nova que eu ouve. E parece sempre tudo uma enorme novidade. Parece sempre uma revolução.
E sempre houve a questão da semelhança com a voz do Donovan, que uns apontavam como elogio, outros como uma coisa má…
Acho que não era mau nem bom, era o que era. Cheguei a brincar com isso numa canção. A verdade é que nunca me preocupei. Até porque, sejamos sinceros, o que é que podia fazer quanto a essa questão? Somos todos influenciados por tudo. A música passa por nós, não é que possamos fazer muita coisa em relação a isso. Vamos ser sempre parecidos com alguma coisa que veio antes. Só espero que pelo meio algumas pessoas me reconheçam alguma originalidade. Se assim for já não é mau.
E muitos desses fãs são pessoas mais novas, de gerações mais recentes. Porque será?
É engraçado mas lembro-me de os meus filhos ouvirem algumas das minhas canções, quando eram mais pequenos, e gostavam. Sempre achei que estas canções eram meio infantis, que tinham um apelo à inocência. Mas depois também tinham um twist que lhes dava alguma personalidade. Bom, mas acho que vou perceber melhor isso nos concertos que aí vêm. Ou pelo menos vou tentar.
Concerto hoje na ZDB, em Lisboa, às 22h. Primeira parte com Alek Rein. Bilhetes a 8 euros
So What if im standing in Apricot Jam
de Howard Eynon
(Earth Records)
Preço: 11,40€ em howardeynonmusic.bandcamp.com