O novo Governo de António Costa ainda não tomou posse e eu – mais um comum representante da pretensa direita crispada, com azia e com óbvias dificuldades na apreciação das virtudes da leitura directa da Constituição – não tenho qualquer hesitação em afirmar de forma categórica que o mesmo vai seguramente surpreender-me pela positiva e não vai ser poucochinho.
Confesso, porém, que mais do que uma súbita conversão à sua capacidade de sobrevivência, do que o especial apreço pelas escolhas que realizou ou de qualquer acto de fé em relação ao programa que irá implementar, apenas assento esta afirmação numa questão de natureza estritamente matemática e probabilística: as expectativas de partida são tão baixas e próximas de zero que qualquer concretização positiva representará sempre um progresso exponencial.
Tudo começa pelo princípio e, neste caso, o princípio foi já repisado vezes sem conta ao longo dos últimos dois meses. O PS perdeu claramente as eleições legislativas de 4 de Outubro. António Costa perdeu claramente as eleições legislativas depois de destituir um outro líder do Partido Socialista que vencera duas eleições e partia em aparente vantagem para o acto eleitoral subsequente.
A sua chegada ao poder resultou assim de uma mera conjuntura muito particular, assente numa coligação negativa de interesses que tinha como objectivo primário (senão único) a substituição dos protagonistas do anterior Governo.
No seu íntimo, guardará seguramente a convicção de que com o passar dos anos tal mancha se dilua da mesma forma que se esquece os pontos que um qualquer campeão ganhou com golos marcados em fora-de-jogo. E talvez tenha razão…
Ainda assim, não encontro expressão melhor para retratar a situação pioneira que vivemos do que a citação de Alexis de Tocqueville utilizada pelo Professor João Carlos Espada num artigo no Público de há precisamente um mês: ”Se é indiscutível que os Deputados são os legítimos representantes do Povo soberano, não é menos verdade que eles não são, nem podem considerar-se, os representantes soberanos do Povo…”
Relativamente à constituição do Governo há nomes para todos os gostos: representantes das várias famílias socialistas (aqui num esforço levado até de forma excessivamente literal), veteranos Socráticos, ministros de créditos firmados nas suas áreas de responsabilidade, independentes promissores, ilustres desconhecidos e até novos responsáveis fluentes na componente de calão da Língua Gestual Portuguesa.
Uma vez ultrapassada a entusiasmante e mobilizadora fase de anti-Governo, traduzida na anulação de várias medidas do anterior Executivo de carácter económico, social e ideológico, poderemos avaliar com maior segurança a convergência de posições da nova Troika dominante e a durabilidade, estabilidade e operacionalidade do novo Governo.
Em última análise, saberemos se António Costa será de facto capaz de cumprir com os requisitos que o Presidente da Republica fingiu exigir e que ele coerentemente fingiu ter garantido na negociação com o PCP e o BE.
No dia em que venci as Eleições Autárquicas em Braga, um jornalista perguntou-me se esperava ter algum apoio especial do Governo da Coligação pelo facto de ser a Câmara mais representativa governada pelo PSD. Na ocasião, respondi que a única coisa que esperava daquele ou de qualquer Governo era que não atrapalhasse e nos deixasse fazer o nosso trabalho.
Mas, se atendermos ao que António Costa (autarca) e os partidos que o suportam defenderam sobre diversas matérias, até poderá ser muito melhor. Como explicarei de hoje a oito dias.
Presidente da Câmara de Braga
Escreve à quinta-feira