Um ano depois da detenção, José Sócrates juntou ontem, num almoço em Lisboa, um grupo de apoiantes (mais de 400 e quase todos anónimos) para marcar a data e proclamar que está de volta “ao debate público”. Oaviso foi feito quando, na intervenção que fez, passou às “considerações políticas” e disparou num ataque forte ao Presidente da República. Os tempos políticos não são de outra era para José Sócrates.
“O único golpe político de que tenho memória foi o de 2011, quando a direita se aliou à extrema-esquerda para atirar abaixo o governo do PS”
Longe vão os tempos em que, no mesmo espaço (a antiga FIL em Lisboa), José Sócrates reunia o seu fórum “Novas Fronteiras”, que visava alinhavar, com a sociedade civil, ideias para o programa de governo do PS. Nessa altura, a da ascensão ao poder, tinha o estado-maior socialista concentrado para, em várias mesas de debate, discutirem propostas que António Vitorino ia coordenar num texto programático. Foi há mais de dez anos e Sócrates tinha o PS concentrado à sua volta. Repetiu-o em 2011, já à beira de cair no parlamento, passando o nome do fórum para “Defender Portugal”, mas com a entourage de sempre a apoiá-lo.
Passaram anos e, nos tempos mais recentes, uma prisão preventiva de dez meses – com indícios de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção a recaírem sobre o ex-primeiro–ministro socialista. OPS resume-se agora a uma mesa de honra num almoço de anónimos organizado por um movimento cívico (“José Sócrates sempre”) para marcar a passagem de um ano sobre a detenção do ex-líder do partido, mas no discurso Sócrates mantém-se como actor político e com contas antigas para ajustar.
“O Presidenteda República estáa construir as bases da campanha eleitoral que a direita vai fazer”
“Se o objectivo de alguém foi calar a minha voz, fiquem agora a saber que a minha voz está de volta ao debate público.” A sala de apoiantes irrompeu num sonoro apoio ao ex-primeiro-ministro, que introduzia assim a parte do seu discurso dedicada a “duas considerações sobre a actualidade política”. E a mais forte foi para o Presidente da República, que Sócrates acusou de estar a “construir as bases da campanha eleitoral que a direita vai fazer, ou melhor, as bases da campanha eleitoral que a direita um dia fará contra o futuro governo que ainda não o é”. Afinal, ironizou Sócrates, “deu tanto trabalho pôr lá a direita, em 2011, que lhe custa tirá-la de lá”.
O ajuste com o passado de primeiro-ministro demitido não ficou por Cavaco Silva, com Sócrates a ir até PSD e CDS. “É preciso ser muito cínico para vir dizer ao PS que esta solução de governo [apoiado por PCPe BE], que é a única solução, é um golpe. Golpe deram eles em 2011”, disse, recordando o chumbo pela direita e esquerda, no parlamento, do PEC IV – “o acordo que protegia o nosso país da chegada da troika”, mantém.
“O Presidenteda República estáa construir as bases da campanha eleitoral que a direita vai fazer”
Sócrates chegou à antiga FIL acompanhado de Mário Soares e à sua espera tinha já o presidente honorário do PS, Almeida Santos, o ex-ministro da Justiça Alberto Costa, o deputado Vitalino Canas, o ex-ministro Mário Lino, António e Paulo Campos, Joaquim Raposo, Valter Lemos e Carlos Silva da UGT. Esteve também, com lugar na mesa de Sócrates, Rui Oliveira e Costa, ex-dirigente do PS e responsável pela Eurosondagem, e o socialista Edmundo Pedro.
Justiça
À chegada, o ex-ministro Alberto Costa avisava para os “prazos excedidos” na duração do inquérito, na prisão preventiva e para a dedução de acusação no processo que envolve Sócrates, e como isso significa “um duro golpe na reputação do sistema de justiça”.
“Os que quiseram isolar-me não tiveram sucesso”
Na intervenção antes de começar o almoço, Sócrates também não deixou de falar do processo. “Ao fim de um ano, não conseguem apresentar provas.” A frase foi cortada pelos gritos na sala: “Fascismo nunca mais.” E Sócrates continuou dizendo que isso “desprestigia o Estado de direito”, acusando o Estado português de “farisaísmo ao apontar o dedo aos outros sem resolver os problemas internos” – isto a propósito das manifestações junto de Timor-Leste por ter um português preso preventivamente cinco meses sem acusação.
Sócrates mantém a sua suspeita de que, se ainda não foram apresentadas provas, é porque “nunca as tiveram. Todas as acusações foram falsas, gratuitas e injustas”. E comparou o “espectáculo do passa-culpas” na política ao que se passa na justiça: “Já temos espectáculo público de divergências entre os vários intervenientes no processo.”
“Não apresentam provas e acusação porque nunca as tiveram. Todas as alegações foram falsas, gratuitas e injustas”
A sala do restaurante da antiga FIL estava cheia e reagia com entusiasmo às acusações que Sócrates ia lançando – “Só-cra-tes”, ouvia-se com insistência. Os apoiantes vieram de várias zonas do país e até de autocarro, como foi o caso de dezenas de pessoas vindas de Vila do Conde num veículo que estacionou à porta do restaurante, a poucos minutos da hora marcada para o início do almoço.