Alerta no nível máximo em Bruxelas. As ruas estavam desertas, o que não é invulgar no dia de descanso semanal, mas as patrulhas de soldados e de veículos armados sinalizavam a tensão face a uma “séria e iminente” ameaça de ataques terroristas na linha dos que ocorreram no dia 13 em Paris. As autoridades belgas ordenaram no sábado que as ligações de metro fossem suspensas, e assim permaneceram ontem, o segundo dia em que a capital europeia é a imagem de uma cidade sitiada. Hoje, as escolas e o metro vão continuar encerrados, anunciou o primeiro-ministro, Charles Michel.
O medo tomou conta de tudo num fim-de-semana em que nem os buliçosos mercados funcionaram, nem os museus ou as lojas do centro abriram e até os bares mais recônditos fecharam, dado o aviso de que os terroristas permaneciam a monte, empenhados desta vez em levar a cabo outro atentado na cidade que lhes serviu de base para planear o massacre na capital francesa. “Há dois terroristas na região de Bruxelas que podem realizar actos muito perigosos”, avisou Bernard Clerfayt, autarca de Schaerbeek – um dos municípios da região. O ministro belga do Interior, Jan Jambon, acrescentou que podia haver “vários suspeitos” ainda à solta e que estiveram envolvidos nos ataques que provocaram mais de 130 vítimas mortais. O governo belga admite, aliás, que a lista dos residentes que se radicalizaram poderá atingir as centenas, número que em França ultrapassará os mil suspeitos.
A paralisação dos 19 municípios e o fecho de todos os estabelecimentos que possam gerar um afluxo significativo de pessoas – centros comerciais, estádios de futebol, salas de cinema ou concertos – vêm num exercício de máxima prudência, enquanto a polícia intensifica as buscas pelos suspeitos. Um deles é Salah Abdeslam. Envolvido nos ataques de Paris, chegou à Bélgica na manhã do dia seguinte. Entretanto detido e acusado, Hamza Attou, outro suspeito que, juntamente com Mohamed Amri, foi buscar Salah de carro após os atentados, disse à sua advogada que este fugiu de Paris usando um casaco que escondia alguma coisa, alimentando os rumores de que pudesse ser um colete de explosivos.
O irmão de Salah, Ibrahim, foi um dos três terroristas que morreram em Paris, junto ao Estádio de França, ao detonarem os seus coletes com explosivos. Fracassaram na tentativa de furar a segurança do estádio onde decorria o amigável França-Alemanha – evitando-se outro potencial banho de sangue.
O alerta de nível 4 em Bruxelas, e 3 no resto do país, segue–se à descoberta de armas na casa de outro suspeito em Molenbeek, o bairro belga descrito pelos media como uma incubadora de terroristas. Ali viviam pelo menos três dos responsáveis pelo terror da noite de dia 13, incluindo Salah. É um subúrbio pobre, com grande taxa de desemprego e grande concentração de famílias imigrantes, boa parte delas árabes.
O bairro tem sido o principal foco dos raides que a polícia belga tem realizado na tentativa de expor a rede de apoio que, suspeita, tenha estado por trás da maior atrocidade cometida em Paris desde a ii Guerra Mundial. Molenbeek é um dos principais desafios à competência das forças de segurança belgas no que toca à prevenção de ataques como os de Paris.
BÉLGICA É O ELO FRACO A Reuters publicou uma análise de uma série de falhas por parte dos serviços de segurança europeus que permitiram que a noite do dia 13 tivesse o desfecho que teve. A notícia faz um inventário das várias bandeiras vermelhas ignoradas, problemas na interligação das agências e lapsos de comunicação entre os diferentes países, a própria incapacidade das polícias, por falta de recursos, de manterem sob vigilância os suspeitos jihadistas. Trata-se de um denúncia que aponta para uma negligência que, retrospectivamente, assume contornos preocupantes. As conclusões revelam que, com uma ou outra excepção, quase todos os terroristas envolvidos nos atentados de Paris tinham já sido referenciados – eram suspeitos de ligações ao Estado Islâmico – e os serviços de segurança tiveram uma ou várias oportunidades para detê–los, mas falharam.
Neste levantamento, ficamos a saber que as autoridades turcas alertaram a polícia belga de de que Ibrahim Abdeslam se tinha tentado juntar às fileiras do Daesh na Síria, o mesmo acontecendo com Ismail Omar Mostefai, que se fez explodir na sala de concertos do Bataclan, e que também tinha já sido referenciado pela polícia francesa. Outro dos atacantes faltou a quatro apresentações semanais junto da polícia francesa, em 2013, antes de ser emitido um mandado de prisão. Por essa altura já teria deixado o país.
A Bélgica é apontada como o elo mais fraco na rede de segurança europeia, com os jihadistas a explorarem a falta de meios do país. Cerca de 350 pessoas saíram da Bélgica para se juntar aos jihadistas na Síria – o maior número per capita na Europa –, e um funcionário do governo contou à Reuters que o país tem uma lista de 400 a 500 pessoas que se radicalizaram e vivem no país. O número de agentes nos serviços de segurança belgas responsáveis pelas operações de vigilância não passa de uma fracção deste número.
Mesmo a França reconheceu ter uma lista de 1400 pessoas que deviam estar sob vigilância 24 horas por dia. Contudo, as autoridades contam com esse mesmo número de agentes para essa tarefa, o que significa um décimo do efectivo necessário. Pelo seu lado, a Bélgica já anunciou que vai gastar mais 400 milhões de euros com o reforço das suas medidas de segurança e, a partir de agora, a polícia passa a ter capacidade de levar a cabo buscas nocturnas em domicílios, passando também a ser mais fácil banir, condenar criminalmente ou deportar líderes religiosos que preguem mensagens de ódio e incitem à violência.