“Estamos perto do Natal. Haverá luzes, festas, árvores iluminadas, presépios, mas é tudo falso. O mundo continua em guerra.”
Papa Francisco
Jean-François Revel, francês, ex-comunista, jornalista e político, escreveu, já há vários anos, o livro “A Obsessão Antiamericana”, livro esse que, na prática, veio pôr a nu aquilo a que se poderá chamar contradição nas relações entre a França (e, já agora, também parte da Europa) e os Estados Unidos da América. Essa contradição mereceu discussão e polémica, coincidentes, quer à direita quer à esquerda. Jean-François Revel interpretou, e bem, como na Europa e sobretudo num país como a França, durante várias décadas do século XX, o sentimento obsessivo anti-EUA cresceu, solidificou-se e condicionou em parte as relações entre os dois países – relações nos domínios político, militar e económico, e até no domínio cultural (vide o caso das contendas ainda hoje existentes entre o cinema americano e o cinema europeu). Essa obsessão antiamericana fazia-se sentir em várias das famílias políticas francesas, desde logo no posicionamento em relação aos limites e funções do Estado, no sentido lato do termo da sua presença na economia, na sua presença na vida dos cidadãos em relação, por exemplo, às suas opções religiosas. Mas também na abordagem da presença do Estado na economia, com um significativo sector empresarial estatal em domínios considerados estratégicos, isto no caso francês. Mas, para além de tudo isto, do ponto de vista militar e da política internacional, as diferenças também eram significativas. EUA e França, enquanto países-membros do Conselho Permanente das Nações Unidas, tinham interpretações, em muitas matérias da política internacional, bem diferentes. Por exemplo em relação à NATO e em relação ao pragmatismo da geopolítica internacional, baseada (ou não) na política de defesa dos direitos humanos, na unipolaridade ocidental, na intervenção externa em vários teatros de guerra, etc.
É certo e sabido que quando Jean-François Revel colocou à discussão e ao escrutínio a sua obsessão antiamericana, pretendeu, o mais possível, mostrar não só as diferenças entre os EUA e uma certa ideia de Europa (que George Steiner, mais tarde, veio a pôr em evidência), na qual a França era uma espécie de pilar fundamental, mas também as muitas semelhanças e sobretudo as muitas dependências dessa certa ideia de Europa e de países como a França em relação aos EUA. Diferenças, semelhanças e dependências que, no seu conjunto, acabavam por ser contraditórias e transformavam essa obsessão antiamericana numa espécie de soberba chique de alguma direita e esquerda, estatista e caviar, francesa e europeia, que ao mesmo tempo punha alguns dos seus filhos e netos a estudarem nas melhores universidades americanas e que consumia tudo o que de audiovisual os americanos produziam. Julgo que passados estes anos, se Jean-François Revel fosse vivo, em 2015, poderia republicar o seu livro com poucas actualizações. Porque está, na prática, ainda bem actual. E como se viu, nos últimos meses é cada vez mais o chapéu militar e tecnológico americano que vai continuando a proteger e a dar sentido ao espaço de segurança francês e europeu. E é na relação entre os EUA e a França (que John Kerry, aliás, recordou ser o aliado mais antigo dos americanos…) e, já agora, também a Rússia, que juntos poderão enfrentar desafios como o do combate ao terrorismo internacional. Talvez por isso seja hora de alguns representantes da soberba de algum jacobinismo e laicismo francês, levados ao exagero, pararem para pensar.
É que só juntos, EUA, França e Europa, acabando de vez com o unilateralismo ocidental (que, no caso do Médio Oriente, lhes atingiu o coração), conseguirão atingir objectivos comuns. Desde logo acabando com intervenções externas desastrosas como aconteceu na Líbia, Síria e Iraque. A França, ao nível da sua relação com os EUA, deve atenuar a obsessão antiamericana de alguns sectores da sua sociedade que não passa, em muitos domínios, de um complexo de superioridade moral que já não faz qualquer sentido. Ainda por cima vindo da França.
Escreve à segunda-feira