“Je suis dividido”


Começo da forma mais improvável, sem objectivo. Este foi o texto que maior dificuldade tive em escrever. É fácil ceder à tentação da incompreensão e da revolta. Ao discurso fácil gerado nas redes sociais, às marcas de água das bandeiras ou às iniciativas individuais dos transeuntes que nas ruas de Paris oferecem abraços, numa tentativa…


Começo da forma mais improvável, sem objectivo. Este foi o texto que maior dificuldade tive em escrever. É fácil ceder à tentação da incompreensão e da revolta. Ao discurso fácil gerado nas redes sociais, às marcas de água das bandeiras ou às iniciativas individuais dos transeuntes que nas ruas de Paris oferecem abraços, numa tentativa de transmitir confiança.
Sou agnóstico em consciência, mas sempre me deixei fascinar pelos mistérios da fé. Sempre tive prazer nas conversas com devotos e confesso que recorro muitas vezes às expressões populares “graças a Deus” ou “Deus queira”.

Nestas minhas constantes andanças profissionais já privei com muçulmanos mais conservadores e mais moderados, cristãos convictos, praticantes ou apenas conformados, hindus, budistas, entre outros. Com todos, a pergunta que não consigo evitar é: porquê?

Invariavelmente, a resposta é: porquê o quê? E invariavelmente a minha indagação é: porque acreditas nesse teu Deus?
Não sobram aqui linhas para transcrever os resultados destas conversas. Sempre agradáveis, sempre enriquecedoras, mas invariavelmente inconclusivas. Não chegamos a conclusão ou, pelo menos, eu não chego. Do outro lado, a irredutível fé – o último argumento que sustenta a religião. Impenetrável, inexplicável, indemonstrável. É o que é e é para quem a tem ou para quem a sente.

Mas em nenhuma destas conversas (e acreditem, foram muitas) encontrei justificação ou sustento para morte, chacina, opressão, ódio ou raiva. 

Por estes dias, o comentário que mais ouvi na rua, do comentador alheio, foi: são doidos, estes muçulmanos! Era acabar com a raça deles (ainda que não sejam uma raça) – cedendo à tentação do discurso fácil, mas compreensível, que as imagens dos atentados de Paris suscitam.

Mas tenho para mim que nada disto tem a ver com religião. Que o que leva um jovem a pegar numa arma e dizimar dezenas de pessoas indiscriminadamente, seja em Paris ou no Oregon, não assenta em fundamentos religiosos, não se move pela fé. Não acredito que o mistério da fé conduza à violência, assim como, historicamente, as cruzadas do séc. XI (que temo agora ver reeditadas) não foram movidas pela fé. Por isso, “je suis dividido”! Dividido porque não creio nas fundamentações e justificações que nos impõem. Porque não acredito que o jovem que se formou e cresceu na Europa, ou nos EUA, mate movido pela fé ou por convicção religiosa.

Precisamos de parar e fazer uma reflexão profunda. Só não me peçam para viver em terror, em medo, e abdicar da minha liberdade, seja ela de expressão, de circulação ou apenas de pensamento.

Escreve ao sábado 

“Je suis dividido”


Começo da forma mais improvável, sem objectivo. Este foi o texto que maior dificuldade tive em escrever. É fácil ceder à tentação da incompreensão e da revolta. Ao discurso fácil gerado nas redes sociais, às marcas de água das bandeiras ou às iniciativas individuais dos transeuntes que nas ruas de Paris oferecem abraços, numa tentativa…


Começo da forma mais improvável, sem objectivo. Este foi o texto que maior dificuldade tive em escrever. É fácil ceder à tentação da incompreensão e da revolta. Ao discurso fácil gerado nas redes sociais, às marcas de água das bandeiras ou às iniciativas individuais dos transeuntes que nas ruas de Paris oferecem abraços, numa tentativa de transmitir confiança.
Sou agnóstico em consciência, mas sempre me deixei fascinar pelos mistérios da fé. Sempre tive prazer nas conversas com devotos e confesso que recorro muitas vezes às expressões populares “graças a Deus” ou “Deus queira”.

Nestas minhas constantes andanças profissionais já privei com muçulmanos mais conservadores e mais moderados, cristãos convictos, praticantes ou apenas conformados, hindus, budistas, entre outros. Com todos, a pergunta que não consigo evitar é: porquê?

Invariavelmente, a resposta é: porquê o quê? E invariavelmente a minha indagação é: porque acreditas nesse teu Deus?
Não sobram aqui linhas para transcrever os resultados destas conversas. Sempre agradáveis, sempre enriquecedoras, mas invariavelmente inconclusivas. Não chegamos a conclusão ou, pelo menos, eu não chego. Do outro lado, a irredutível fé – o último argumento que sustenta a religião. Impenetrável, inexplicável, indemonstrável. É o que é e é para quem a tem ou para quem a sente.

Mas em nenhuma destas conversas (e acreditem, foram muitas) encontrei justificação ou sustento para morte, chacina, opressão, ódio ou raiva. 

Por estes dias, o comentário que mais ouvi na rua, do comentador alheio, foi: são doidos, estes muçulmanos! Era acabar com a raça deles (ainda que não sejam uma raça) – cedendo à tentação do discurso fácil, mas compreensível, que as imagens dos atentados de Paris suscitam.

Mas tenho para mim que nada disto tem a ver com religião. Que o que leva um jovem a pegar numa arma e dizimar dezenas de pessoas indiscriminadamente, seja em Paris ou no Oregon, não assenta em fundamentos religiosos, não se move pela fé. Não acredito que o mistério da fé conduza à violência, assim como, historicamente, as cruzadas do séc. XI (que temo agora ver reeditadas) não foram movidas pela fé. Por isso, “je suis dividido”! Dividido porque não creio nas fundamentações e justificações que nos impõem. Porque não acredito que o jovem que se formou e cresceu na Europa, ou nos EUA, mate movido pela fé ou por convicção religiosa.

Precisamos de parar e fazer uma reflexão profunda. Só não me peçam para viver em terror, em medo, e abdicar da minha liberdade, seja ela de expressão, de circulação ou apenas de pensamento.

Escreve ao sábado