Crónicas do Irão (3): Isfahan, a bela


Isfahan atravessou a poeira dos séculos com altos e baixos e foi sob o império safávida que a cidade conheceu a fama 


Em Outubro em Isfahan, terceira cidade do Irão, os dias ainda são veranis e as amplitudes térmicas reduzidas. As tardes soalheiras escorrem para noites quentes e aveludadas, alongando a actividade diurna, emprestando à magnífica Praça de Naqsh-e Jahan (a Praça) uma inesperada movida. As silhuetas negras dos chador à mistura com o colorido dos grupos de turistas – claro que para as mulheres é obrigatório andar de cabeça tapada, ninguém escapa! –, a revoada de jovens iranianos – eles aparentando ser tão ocidentais como quaisquer outros, elas restringidas pelo véu que lhes é imposto por lei –, famílias mais ou menos jovens ou numerosas, chilreada de crianças e carrinhos de bebé, tudo junto e em comunhão. Isfahan atravessou a poeira dos séculos com altos e baixos e foi sob o império safávida que a cidade conheceu a fama, porque bela, e o prestígio, porque rica, que ainda prevalecem. A Praça, Património Mundial da UNESCO, é enorme e monumental: as mesquitas Masjid-e Iman, a principal, e Sheikh Lotf Allah, o Palácio Ali Qapu e o pórtico do Grande Bazar. A deslumbrante decoração dos edifícios, com a composição geométrica e floral de mosaicos polícromos, predominando embora o azul-celeste, provoca inevitavelmente um espanto extasiado. Isto ao redor da Praça. No interior, os jardins e espelhos de água convidam ao lazer. E os iranianos, famílias extensas ou pequenos grupos, cultivam descontraidamente o esplendor na relva – apropriação do título do filme de Elia Kazan – piquenicando com tachos e mantas noite dentro.

Imperdoável não falar das pontes sobre o rio Zayandeh, belíssimos exemplos de arquitectura de que se pode destacar como exemplo a Ponte dos 33 Arcos. Do bairro arménio e da sua majestosa igreja cristã, obviamente, fica o deslumbramento e a ideia de que a tolerância religiosa existe no Irão dos xiitas. Apenas a ideia, porque a verdadeira razão da liberdade arménia, ou outras, não pôde ser explorada. O Irão que nos é dado ver e sentir, ou porque parco o tempo, ou porque difícil a investigação, não corresponde muito ao que a informação disponível, mormente a veiculada pelos media, nos faz crer mas… a impressão, ou desconfiança, de que há um poder oculto, difuso, não é despicienda. O que em nada tolhe a sensação de segurança e tranquilidade que se faz sentir. Tirando o comportamento totalmente arrevesado no tocante ao absoluto desrespeito por peões e passadeiras, os iranianos revelam uma afabilidade digna de registo. É um povo de uma simpatia extrema, de comunicação espontânea e fácil, que acolhe os estrangeiros (só os turistas?) com indisfarçável alegria. Dali não se consegue vislumbrar como se chega ao radicalismo islamita. Também não convence a versão local de que o xiismo não gera fundamentalismos. O islão xiita é minoritário. A grande maioria dos muçulmanos é sunita, o que não explica o fenómeno da radicalização. O Ocidente, a Europa em particular, tem-se revelado capaz de produzir radicais islâmicos. E bom seria averiguar seriamente os porquês… Entretanto, o terror assassino e bárbaro do Daesh, que faz gala dos seus crimes hediondos, está à nossa porta: os recentes massacres em Paris e o medo e a insegurança generalizados que por aí grassam. Até quando?

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Escreve quinzenalmente ao sábado

Crónicas do Irão (3): Isfahan, a bela


Isfahan atravessou a poeira dos séculos com altos e baixos e foi sob o império safávida que a cidade conheceu a fama 


Em Outubro em Isfahan, terceira cidade do Irão, os dias ainda são veranis e as amplitudes térmicas reduzidas. As tardes soalheiras escorrem para noites quentes e aveludadas, alongando a actividade diurna, emprestando à magnífica Praça de Naqsh-e Jahan (a Praça) uma inesperada movida. As silhuetas negras dos chador à mistura com o colorido dos grupos de turistas – claro que para as mulheres é obrigatório andar de cabeça tapada, ninguém escapa! –, a revoada de jovens iranianos – eles aparentando ser tão ocidentais como quaisquer outros, elas restringidas pelo véu que lhes é imposto por lei –, famílias mais ou menos jovens ou numerosas, chilreada de crianças e carrinhos de bebé, tudo junto e em comunhão. Isfahan atravessou a poeira dos séculos com altos e baixos e foi sob o império safávida que a cidade conheceu a fama, porque bela, e o prestígio, porque rica, que ainda prevalecem. A Praça, Património Mundial da UNESCO, é enorme e monumental: as mesquitas Masjid-e Iman, a principal, e Sheikh Lotf Allah, o Palácio Ali Qapu e o pórtico do Grande Bazar. A deslumbrante decoração dos edifícios, com a composição geométrica e floral de mosaicos polícromos, predominando embora o azul-celeste, provoca inevitavelmente um espanto extasiado. Isto ao redor da Praça. No interior, os jardins e espelhos de água convidam ao lazer. E os iranianos, famílias extensas ou pequenos grupos, cultivam descontraidamente o esplendor na relva – apropriação do título do filme de Elia Kazan – piquenicando com tachos e mantas noite dentro.

Imperdoável não falar das pontes sobre o rio Zayandeh, belíssimos exemplos de arquitectura de que se pode destacar como exemplo a Ponte dos 33 Arcos. Do bairro arménio e da sua majestosa igreja cristã, obviamente, fica o deslumbramento e a ideia de que a tolerância religiosa existe no Irão dos xiitas. Apenas a ideia, porque a verdadeira razão da liberdade arménia, ou outras, não pôde ser explorada. O Irão que nos é dado ver e sentir, ou porque parco o tempo, ou porque difícil a investigação, não corresponde muito ao que a informação disponível, mormente a veiculada pelos media, nos faz crer mas… a impressão, ou desconfiança, de que há um poder oculto, difuso, não é despicienda. O que em nada tolhe a sensação de segurança e tranquilidade que se faz sentir. Tirando o comportamento totalmente arrevesado no tocante ao absoluto desrespeito por peões e passadeiras, os iranianos revelam uma afabilidade digna de registo. É um povo de uma simpatia extrema, de comunicação espontânea e fácil, que acolhe os estrangeiros (só os turistas?) com indisfarçável alegria. Dali não se consegue vislumbrar como se chega ao radicalismo islamita. Também não convence a versão local de que o xiismo não gera fundamentalismos. O islão xiita é minoritário. A grande maioria dos muçulmanos é sunita, o que não explica o fenómeno da radicalização. O Ocidente, a Europa em particular, tem-se revelado capaz de produzir radicais islâmicos. E bom seria averiguar seriamente os porquês… Entretanto, o terror assassino e bárbaro do Daesh, que faz gala dos seus crimes hediondos, está à nossa porta: os recentes massacres em Paris e o medo e a insegurança generalizados que por aí grassam. Até quando?

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