O ex-presidente do Instituto dos Registos e do Notariado (IRN)António Figueiredo, acusado de 12 crimes no caso dos vistos gold, fez-se passar por ministro na China. A história é revelada na acusação deduzida esta semana pelo Ministério Público (MP), que também conta como o falso cargo foi rapidamente descoberto, originando “embaraço protocolar”.
Em meados de Setembro de 2013, António Figueiredo foi convidado para participar no Fórum Euro-Ásia, um evento empresarial organizado em Xi’an, na China. O então presidente do IRN tinha acabado de regressar do país, onde passara duas semanas de férias com a família, e precisou de tirar mais dias de descanso do instituto para poder acompanhar Jaime Gomes – o amigo de adolescência de Miguel Macedo também acusado no processo – e Zhu Xiaodong, igualmente acusado. As viagens ficaram a cargo do chinês e o estado da China pagou as estadas.
Antes de partir, António Figueiredo convidou a vereadora da Câmara de Lisboa Graça Fonseca para participar no evento, enquanto representante da autarquia, mas o convite foi recusado. E foi Rui Pinto Coelho, da InvestLisboa, quem, segundo a acusação, representou a câmara no fórum, proferindo um discurso sobre a cidade de Lisboa. António Figueiredo também falou aos presentes: discursou sobre as “vantagens do investimento em Portugal” e fê-lo, segundo o MP, na “qualidade de representante institucional do estado português”. Zhu Xiaodong tê-lo-á mesmo apresentado aos organizadores do fórum empresarial como “vice-ministro da Justiça” português. Mas a farsa terá sido descoberta e o incidente, lê-se na acusação, causou “embaraço protocolar” quando os presentes se aperceberam da “inveracidade de tal categoria”.
O MP está convencido de que Zhu Xiaodong, Jaime Gomes e António Figueiredo terão planeado a ida ao fórum chinês para “divulgar os seus serviços” e entregar autorizações de residências a alguns chineses – algo que, no entanto, acabou por não acontecer, uma vez que António Figueiredo – “ao contrário do tratamento preferencial que normalmente gozava no SEf” – não tinha conseguido levar os papéis para a China. A culpa, diz a acusação, foi de uma funcionária do SEF, Luísa Ferreira, que se opôs à recepção do pagamento das taxas de emissão dos vistos sem as necessárias procurações para o efeito. Mais tarde, o director do SEF, Manuel Palos, terá querido saber o que se passou e foi informado por outra funcionária, Marília Neres, da recusa da colega em providenciar os papéis.
Palos tinha medo Manuel Palos, acusado de três crimes de corrupção passiva e de prevaricação de titular de cargo político por ter facilitado procedimentos no SEF – o serviço responsável pela emissão dos vistos gold – foi nomeado director nacional em 2005, pelo então ministro da Administração Interna, António Costa. E o MP acredita que agiu com o intuito de “agradar” ao ministro Miguel Macedo – que em 2011, assim que chegou ao governo, anunciou publicamente a intenção de, futu-ramente, vir extinguir o SEF.
O MP recorda que, mesmo antes de ser ministro e enquanto líder parlamentar do PSD, Miguel Macedo já tinha assumido “uma posição crítica” em relação à recondução de Manuel Palos no SEF. Por isso, diz a acusação, o director nacional terá concordado com os esquemas para “ganhar a confiança do ministro e manter-se no cargo”. Ainda assim, e apesar de não receber comissões pelos serviços prestados – ao contrário de outros arguidos no processo –, Manuel Palos terá aceitado presentes. Como no Natal de 2013, quando Zhu Xiaodong, por intermédio de António Figueiredo, lhe fez chegar duas garrafas de vinho Pêra Manca – no valor, cada uma, de 140 euros, e compradas na Makro. O “agradecimento simbólico” ter-se-á estendido igualmente às secretárias do ex-director nacional do SEF, que receberam dois envelopes de presente, cada um com 100 euros.