Eu cá não gosto de velórios! E tenho por certo que ninguém gosta. Nisto, pelo menos, estaremos de acordo. Sem polémicas. Sem discussões. Em rigor, porque não é uma questão de gosto. Mas de confronto derrotado com a nossa intransponível humanidade: a nossa incapacidade; a nossa impotência. Incapacidade de entender, de compreender, de alcançar. Impotência para agir, para fazer, para mudar o curso das coisas.
Quanto a mim deixei de gostar de velórios ainda adolescente. Quando num certo ano, entre Março e Dezembro, passei por três… de um Avô, de uma Avó, e terminando no do meu próprio Pai. Talvez a ductilidade da personalidade fosse demasiada para comportar tal grau de dor, tal imensidão de medo. Talvez a tão especial relação com o Pai tenha agudizado ainda mais as circunstâncias, nunca antes experimentadas, de ser aniquilado pela incapacidade de entender esse mistério da vida que é a morte e pela impotência para alterar a história.
Diz-se, ou disseram-me, que são experiências que nos amadurecem. Nos fazem crescer. Parece que a morte de um Pai faz de nós uns homens! Talvez faça. Talvez nos consciencialize “à la minute” da perecibilidade da vida, dos afectos. Melhor: da finitude física do objecto dos afectos, pois que os afectos, esses, nunca morrem senão no dia em que somos nós que partimos. Eu, por mim, nesse Natal, não me senti adulto, isso garanto!
Aliás, pensando bem, de velórios tenho uma única boa recordação, e precisamente desse último que vos contava: uma chávena de café quente, madrugada alta, com uma fatia de bolo finto. Um sabor único naquela noite (para mim) gélida, uma semana antes do Natal. Via-se o Tejo.
Mas se não gostei da experiência, por muito bem que me tivesse feito ao espírito de conformidade com a regra que o ser intelectualmente adulto, e socialmente integrado, deve exigir, foi por ter sido brutal. Tão brutal que, se puder, não passarei por outra semelhante.
Mas não era bem a estas confissões que hoje vinha. Estas reflexões interessar-vos-ão nada. Vinha antes àquilo que um velório, por muito que deles se desgoste, nos pode ensinar… sobre a vida, não sobre a morte!
Terça-feira, numa encomendação de uma alma, confrontei-me com um pensamento novo. Um pensamento tão singelo, tão puro e tão positivo como seja o do valor da amizade.
Nessa circunstância, o defunto estava rodeado de amigos. Ora, sendo um velório um evento tão desagradável como todos sabemos que é, só pode concluir-se que os amigos que lá estão estão precisamente por isso. Porque são amigos.
Porque sentem o positivo dever de estar.
E essa é a grande lição, positiva, que um velório nos dá. A lição da amizade. Se não cultivarmos a amizade, se não a preservarmos, se não nos preocuparmos em querer apostar tudo nessa forma de afecto que é a amizade, então seguramente que no fim, ao redor do nosso féretro, não estará nenhum amigo.
E, quem sabe, não será essa contagem final o melhor critério para ajuizar da densidade do que nesse momento é colocado como contrapeso da pluma na balança do juízo eterno.
Advogado
Escreve à sexta-feira