Dérbi. Uma primeira parte com 43 minutos e 58 segundos

Dérbi. Uma primeira parte com 43 minutos e 58 segundos


Alder Dante apita antes de tempo e antes dos golos da reviravolta de Jordão e Manuel Fernandes em 1984.


Há dois tipos de jogadores na forma de serem substituídos: os que se arrastam para perder tempo até serem empurrados pelos adversários ou pelo árbitro, ou os que coxeiam como justificação para a alteração técnico-táctica. E qual é o gesto mais comum do suplente junto à linha do meio-campo, prestes a entrar?

Isso mesmo, atirar o pé direito e também o esquerdo para trás, como se fosse um alongamento, sob o atento olhar/visionamento do fiscal-de-linha. A ideia é saber se os pitons são os da moda. E porquê isso? Porque há muito muito tempo que não existe lei nenhuma sobre pitons nem nada parecido.

E o que é há muito, muito tempo? Olhe, em 1984, por exemplo. E vamos ao pormenor de dizer o jogo: é um FC Porto-Belenenses para a Taça de Portugal no dia 29 de Janeiro. Nas Antas, o relvado lamacento é propício para deslizes, choques, etc. e tal. Num deles, Quaresma acerta em Vermelhinho e o homem, autor do madrugador 1-0, tem de sair de maca. Quando perguntam ao médico o que há, Domingos Gomes diz de sua justiça: “Sofreu um corte incisivo na face interna da coxa esquerda, suturada com 12 pontos. Tem de estar parado uma semana, pelo menos.”

Vermelhinho é só mais uma baixa, a juntar às de Gomes, Inácio, Jaime Magalhães, Costa e Jacques. Não há descanso para Domingos Gomes. E o que diz António Morais, então o treinador dos portistas na ausência (por doença) de José Maria Pedroto? “Temos de nos adaptar ao resto da Europa: antes de cada jogo deveria haver uma verificação prévia dos pitons das botas, como acontece nas provas europeias. O Quaresma não estava bem equipado…” As reticências, aqui, vêm ao caso. É preciso prevenir para remediar.

Entretidos? Ainda bem. Vamos então continuar no dia 29 de Janeiro de 1984, um fim-de-semana de Taça em que o herói de domingo é um tal Nélson Moutinho com cinco golos nos 8-0 do Olhanense ao Fátima. Mais a norte, lá para ocentro, o EstádioJosé Alvalade recebe o dérbi. Duas semanas antes, um penálti de Nené aos 85’ garantira o 1-0 para o campeonato. Agora, o caso é diferente e o Sporting derruba o detentor do ceptro – insuficiente para chegar à final, discutida entre o matreiro FC Porto, em ano de fulgor europeu pela chegada à final da Taça das Taças, e o estreante RioAve de Félix Mourinho.

O tira-teimas de Alvalade começa com oSporting a jogar a 200 à hora. Em menos de dois minutos, Jordão, Manuel Fernandes e Romeu têm o golo nos pés. O habitualmente imperturbável Sven--Göran Eriksson está de pé, junto ao banco, a abanar a cabeça enquanto dá ruidosas instruções lá para dentro. Terá efeito? No imediato, sim. Aos 8’, Carlos Manuel atira fortíssimo de fora da área e deixa o gigante Katzirz hipnotizado, siderado, com cimento nas botas (ai esses pitons). A reviravolta leonina só se faz na segunda parte, com um golo de Jordão (58’) e outro de Manuel Fernandes (78’), ambos com a bola a tabelar em António Bastos Lopes antes de trair Bento. Pelo meio, quatro momentos de frisson.

No jogo ao poste, Shéu imita Jordão. Na indisciplina,Zezinho e Carlos Manuel embrulham-se em chutos mais pontapés para serem bem expulsos por Alder Dante, um árbitro com nota máxima da imprensa desportiva do dia seguinte, apenas com um senão: a primeira parte acaba aos 43 minutos e 58 segundos. Ninguém entende, nem mesmo o árbitro. Alguém protesta? Sim, o presidente doSporting. Sim, o vencedor tem coisas para dizer a quem de direito. “Não compreendo como o sr. António Garrido, relações públicas do Benfica, entrou duas vezes na cabina do árbitro antes do jogo.São coisas dúbias para as quais não encontramos razões.”

Até sábado, uma história por dia dos dérbis da Taça em Alvalade