O complexo, em qualquer banquete, é saber quando parar. Um ano depois do buffet de fungos alucinogénicos – “Lo-Fi Hipster Trip” foi editado em Outubro de 2014 – que retiraram Corona do anonimato na tasca onde diariamente esgotava o stock de hidromel, o portuense mais típico do Porto, segundo Logos e dB, perdeu-se em excessos. O resultado da overdose foi um internamento num intenso programa de reabilitação. Corona está agora isolado num quarto totalmente branco, apenas com a companhia de um poster de 2Pac. Que não se imponha uma má conotação ao episódio, pelo contrário, até porque, entretanto, Logos e dB refugiaram-se na casa de Corona, recorreram ao acervo pessoal com todo o tipo de matérias e cozinharam “Lo-Fi Hipster Trip”. O segundo disco do duo natural da Invicta é mais um documento repleto de teorias psicotrópicas e de ironia às paletes. Agradeça-se a Corona pelo acto de coragem que gerou este disco.
Se, em “Lo-Fi Hipster Sheat”, Logos e dB foram mestres da cerimónia que trouxe Corona para o passeio da fama, neste “Lo-Fi Hipster Trip” os anfitriões confessam que foi no processo de estúdio que se aperceberam que talvez não fosse má ideia seduzir Corona para a hipótese da reabilitação: “Estava a ficar um álbum algo interno, sobre memórias do Corona. Percebemos que tinha algo a ver com isso, ele precisava de se reabilitar do excesso de cogumelos do primeiro disco, é quase uma apresentação mais íntima do Corona”, conta Logos.
Resposta que sugere um ambiente mais sombrio, passível de ser confirmado em alguns dos instrumentais que compõem o disco. Logos esclarece que “à primeira escuta é isso que transparece, um disco mais escuro, um Corona mais depressivo”, não sem depois retorquir que quanto mais se avança no disco mais se entende que o humor continua a ser o prato forte, como em “Fillin Up Chouriços”. “É uma música muito irónica. O facto de ele próprio dizer que está ali a encher chouriços e toda a gente saber disso é representativo da nossa chamada de atenção: o mundo anda a encher chouriços.”
Quem não perdeu pitada do que aqui se fala foi 2Pac, sempre preso à parede que Corona foi contemplando. “Já se criou uma identidade do que é o Corona e nós gostamos sempre de falar dos clichés. Acho que não seguimos os standards esperados e o 2Pac, não que seja culpado disso, tornou-se um cliché que acaba por marcar todos os que fazem rap, aquela coisa da thug life. O Corona, obviamente, tem de ouvir o 2Pac… achámos que era a melhor companhia para o Corona.”
Uma das poucas pessoas a falar com Corona – e, consequentemente, um dos grandes inputs do segundo capítulo da sua história – durante este tempo foi JimMorrison da Pasteleira (Álvaro Costa). E ainda bem, porque os amigos são para ocasiões como esta. “O Jim Morrison da Pasteleira é um velho amigo do Corona, bastante próximo, aquele gajo que ouvia The Doors com o Corona, até porque o Corona é muito mais rockeiro do que ligado ao rap. É um viciado em Doors, ao fim e ao cabo é uma personagem tão portuense ou mais do que o Corona.”
Além do picante que se pode escutar nas letras de Logos e dos seus convidados – Blasph, Skillaz, Alferes M., Kron Silva, 4400 OG e RealPunch –, os beats que dB criou não parecem de hoje. São, como Logos confirma, inspirados no início da década de 90. Coisa que se reflecte, por exemplo, nos samples do primeiro disco que colocaram aqui através de um corta- -e-cola muito bem feito: “Foi a melhor altura do rap. Não que hoje não existam coisas boas, mas naquela altura era tudo muito diversificado, cada um tinha a sua forma de fazer rap, que é aquilo que criticamos um bocado no primeiro disco… ser diferente dá trabalho.”
O melhor, connosco, fica sempre para o fim. O primeiro disco foi editado em modo cassete, o segundo é mais criativo ainda, pois assume a forma de uma caixa de comprimidos. Calma, Logos explica: “O comprimido é como os outros, pode curar ou pode ser recreativo. Agora vai depender de cada um. Se ajudar a curar alguém, óptimo… se for recreativo, excelente”. As melhoras, Corona.