A coisa maravilhosa do futebol é o quão criativo é; algo inatingível nos EUA. Vejam se percebem: nos EUA, a acção é deliberadamente curta para que os sponsors consigam o maior número de anúncios possível, e também para que os jogadores não sejam obrigados a puxar muuuuuito pela cabeça. Eles recebem instruções através do quarterback que, por sua vez, debita as informações prestadas pelo treinador ofensivo. Ninguém tem de pensar por si próprio. É a versão criativa do Dick Cheney, qualquer coisa como “fazer exactamente o que te pedem”.
Então, tens quatro segundos de violência extrema e depois segue-se a única actividade criativa digna desse registo: um anúncio de cerveja. Por isso, o football é jogado como uma série de jingles comerciais, enquanto o soccer é como o jazz.
E já agora, porque é que os americanos insistem em chamar àquilo soccer? Qual é o problema deles em chamar–lhe football? É jogado com uma bola, rematada com os pés. Logo, foot ball. Entendes isto, América?
A pista é o título; não é assim tão difícil. Já o american football, como eles lhe chamam, é um jogo em que o objecto não é, na realidade, uma bola; é a forma errada de uma bola, é jogada com as mãos e ocasionalmente lançada para outros jogadores a apanharem com as mãos. Só uma pessoa por equipa pode dar-lhe um pontapé e tem de entrar em campo especificamente para esse momento. Na linguagem deles, é uma forma de criatividade. Estão a ver, qualquer coisa como dizer uma coisa com um significado completamente diferente.
John Cleese, ainda e sempre. Uma semana depois, ei-lo de novo por estas bandas, com este texto bem sacado sobre as diferenças entre o futebol e o football. Entre uma série de jingles e o jazz. Entre um resultado volumoso (31-7) e um insonso (0-0). Entre esses dois mundos, senhoras e senhores, apresento-vos a Taça da Estónia. É, de longe, a competição mais estonteante.
Os resultados fazem-nos esboçar um esgar de incredulidade, seguido de um sorriso. Largo. Sim, a Taça da Estónia é admirável na arte da surpresa. Veja-se só o exemplo da primeira eliminatória. Nos dois jogos marcados para 14 de Junho, o Eestimaa Kasakad- Narva Trans acaba 0-14 e o Tallinna FC Infonet-Virtsu Jalgpalliklubi dobra esses números (36-0). Trinta-e-seis? Chi-ça. Assim mesmo, com hífen para não ferir susceptibilidades. Nem os adeptos do Virtsu.
Aos dez minutos, 3-0. Aos 20’, sete. Aos 30’, nove. Aos 40’, 11. Aos 50’, 16. Aos 60’, 20. Aos 70’, 23. Aos 80’, 28. Aos 90’, trinta–e-seis. O herói é um Trevor Elhi, autor de dez golos. Mais um que Sander Roivassepp no 31-0 do Paide Linnameeskond ao Raudteetoolised. E isto é frequente. Em mais de 100 jogos, só dois 0-0 e um sem-número de goleadas por mais de dez. Em casa e até fora, é frequente 0-12, 0-13 e por aí fora (literalmente). Para os interessados, a final é a 21 de Maio, no mesmo dia do esplendor no Jamor.
Editor de desporto
Escreve à sexta