Dérbi. Jordão apresentado numa maca e os gritos de “assassino” para Alberto

Dérbi. Jordão apresentado numa maca e os gritos de “assassino” para Alberto


Pela terceira época seguida, oSporting elimina o Benfica da Taça (3-1) numa tarde em que se joga mais fora do que dentro do relvado.


Braços abertos, como um bailarino, Vítor Baptista domina a bola no peito, sem que Inácio possa fazer o que quer que seja, e depois atira fortíssimo. A bola voa como que telecomandada para o ângulo superior esquerdo do inamovível Botelho. Um golo total.

O Benfica marca o primeiro (e único) golo de mais um clássico com o Sporting; a festa, essa, não é total. “Os colegas correram para me abraçar”, conta o herói dessa tarde de Fevereiro, “e quando o Cavungi o fez, o brinco soltou-se e foi parar à relva.” Caricato e, ao mesmo tempo, verídico. Durante três minutos, com oSporting e o árbitro à espera do reinício, Vítor Baptista passa o tempo de pernas flectidas e com cara de mau, a resmungar consigo mesmo. Ao seu lado, os companheiros ajudam-no. Em vão.

No fim de contas, as (outras) contas daquele que era maior que o seu tempo. “Ficava muito mais aborrecido se o Benfica não tivesse ganhado, mas foi aborrecido. Veja lá, o brinco custou-me 12 contos e o prémio de jogo é de oito. Perdi dinheiro a trabalhar.”

Toni, o capitão, ri-se. “No final, em vez de irmos para os balneários, também andámos à procura do brinco no relvado.” Chalana também sabe umas coisas. “Nos dias seguintes ao dérbi, o Domingos Claudino, responsável pelo relvado do Estádio da Luz, e os seus adjuntos estiveram a percorrer todo o campo e encontraram o brinco.” Essa é boa.

Crash boom bang Antes do golo, Jordão sai de maca com fractura da tíbia e do perónio, vítima de uma entrada de Alberto aos 25 minutos.

O sportinguista nunca mais joga até final dessa época 1977/78. “O Alberto não me iria magoar propositadamente”, desabafa o avançado. “Não estou a ver um jogador a arrumar outro dessa forma. Foi um lance casual e nós, profissionais, sabemos disso melhor do que ninguém.”

Na cama do quarto 306 da Clínica de São João de Deus, sucedem-se as visitas a Jordão. Uma de Shéu e outra de Alberto. “São lances do futebol, acontecem acidentes. O Jordão é um grande amigo meu, desde os tempos do Benfica.” De 12 de Fevereiro a 5 de Março distam três semanas. Tão-só três semanas. É pouco, pouquíssimo tempo para esquecer o assunto de Jordão/Alberto. E oSporting, infelizmente, faz gala disso mesmo.

Desconhece-se quem tem a ideia de explorar a lesão de Jordão, mas o dérbi da Taça é esquisito antes mesmo do seu início. Ainda as equipas estão a vestir-se, já o speaker de Alvalade apresenta Jordão. O avançado aparece de maca na pista de tartan e os espectadores aplaudem-no como nunca. No momento do anúncio das equipas, o nome do benfiquista Alberto é o mais vaiado de todos.Está o caldo entornado.

Houston Mal a bola rola, solta, o “ruidómetro” do estádio vai a mais de mil. Alberto é o denominador comum da animosidade. Basta-lhe um toque na bola e os adeptos caem-lhe em cima com uma estrondosa assobiadela. Se acerta mais duro em Inácio ou Manuel Fernandes, há quem lhe chame assassino. Assim mesmo, sem pudores. E de forma repetitiva.Assassino, assassino, assassino. Ninguém é de ferro. Alberto ressente-se, o Benfica também. O Sporting aproveita o desnorte para galgar terreno e eliminar o rival da Taça pela terceira vez seguida (1-0 em 1976, 3-0 em 1977 e 3-1 em 1978). Como?

A equipa de Rodrigues Dias faz-se valer do trunfo Manuel Fernandes, homem habituado a grandes voos, avançado mortífero nos jogos a sério. Comprova-o ao longo da carreira, em concreto com aqueles quatro golos ao Benfica nos 7-1 de 1986. Oito anos antes, Manuel marca só dois, ambos na primeira parte. Um aos 13’, outro aos 35’.

Com 2-0 ao intervalo, oSporting parte para a segunda parte com outro à--vontade e até festeja o terceiro golo, por conta do maliano Salif Keita, aos 55’. Pobre Bento, sem arte para travar os sucessivos ataques leoninos. Vale ao Benfica o golo de honra, aos 81’, de HumbertoCoelho. Cabe aqui fazer uma ressalva ao central, autêntico rei do fair play nos primeiros dez minutos, quando Bastos Lopes e MárioWilson (filho) se lesionam em duas jogadas. Acto contínuo, Botelho e Manaca chutam a bola para fora. Na reposição, Humberto devolve a delicadeza. Jordão, prostrado ao lado do banco doSporting, aplaude vigorosamente a atitude, o tribunal de Alvalade nem por isso. Ninguém é de carne e osso. O futebol ressente-se.

Até sábado, uma história por dia sobre os dérbis da Taça em Alvalade