Arrastados


Vai sendo tempo de serem limpas as teias de aranha dos preconceitos de alguma esquerda contra as forças e os serviços de segurança


O risco voltou a sobrepor-se à normalidade e beliscou os nossos padrões de vida ocidental. É certo que a barbárie supera qualquer previsão de risco, mas o risco é parte integrante das sociedades modernas, embora muitas vezes seja ignorado ou não seja incorporado nos nossos quadros mentais. Não para nos imobilizarmos, mas para sabermos que os riscos existem, que são tão reais que têm manifestações e exigem uma resposta resiliente da nossa parte. Nada, na terra ou no céu – para os crentes –, justifica o que aconteceu em Paris. Como em tantos momentos na história da humanidade, é o triunfo da besta sobre a razão, e a besta arrastou-nos para a situação. E sempre que somos arrastados, corremos o risco de perder o controlo da situação.

A construção europeia arrastou-se para um meio caminho em que a união política não tem cimento para, no respeito pela diversidade, aparecer a uma só voz concertada; em que a união económica está coxa e não responde às necessidades dos povos e em que os pilares da Europa não acompanharam as dinâmicas das sociedades europeias e do mundo à nossa volta. Arrastados pelas circunstâncias, não respondemos aos desafios das nossas comunidades, às crises dos refugiados e dos migrantes e ao terrorismo nas suas diversas expressões. Arrastados pela subavaliação das tendências estruturais, não respondemos aos problemas da natalidade, das desigualdades sociais, da falta de competitividade europeia ou da precariedade laboral. E a resposta de alguns, cá e lá, é minimizar, ao ponto de o tema europeu não ser relevante para a governação. A resposta de menos Europa é a que gera, depois dos murros no estômago, a reacção rápida que exorciza o choque, mas resolve muito pouco quando os problemas são estruturais e a realidade parece um queijo suíço, tantos são os buracos. Também aqui a resposta nunca pode ser apenas desconstruir ou manter o que existe, tem de ser no patamar seguinte, o da construção das respostas para as novas realidades.

Não há tolerância nem atenuante possível para a barbárie. Nem deve haver preconceitos ou reservas mentais pseudo-esquerdistas que, no respeito pelo essencial dos direitos, liberdades e garantias, impeçam a adopção das medidas de segurança e de combate ao terrorismo necessárias para minimizar os riscos tradicionais e os novos riscos. 
Por exemplo, boa parte do território continental de Portugal, com maior densidade populacional, está sujeita a risco sísmico, mas não há um trabalho sistemático de educação dos cidadãos, de preparação do dispositivo de protecção civil e de integração das respostas em situação de emergência, em conformidade com esse risco.

Arrastados pela tranquilização dos indicadores de criminalidade participada, pelos constrangimentos orçamentais e pela definição de outras prioridades, descurou-se a sustentabilidade das respostas aos riscos de segurança ao ponto de a realidade ser marcada pela indigência. É essa indigência que faz com que os recursos humanos ao dispor das forças de segurança sejam manifestamente insuficientes para a complexidade da realidade, que os meios de mobilidade sejam uma lástima e que o ânimo das mulheres e dos homens que zelam pela segurança e pela defesa esteja pelas ruas da amargura. Não despertar perante os suicídios de membros das forças de segurança ou perante a denúncia de que os Serviços de Estrangeiros e Fronteiras não têm recursos humanos para, se necessário, efectuarem um controlo mais apertado das fronteiras é negligenciar os factores de risco. É para não correr esse risco que há muito defendo a estabilização de um quadro-base de recursos humanos, recursos materiais e meios operacionais que salvaguarde a manutenção dos níveis de renovação, sustentabilidade e resposta das forças e dos serviços de segurança, quaisquer que sejam os governos e as conjunturas financeiras. Não o fazer é aumentar a exposição ao risco para, depois da porta arrombada, exorcizar a má consciência dos preconceitos e da ausência de coragem política.
Quarenta e um anos depois de Abril, quando a euforia de uma mão-cheia de muito pouco fenece, vai sendo tempo de serem limpas as teias de aranha dos preconceitos contra as forças e os serviços de segurança, que confundem sempre a árvore com a floresta e impedem a dignificação do estatuto e da função de milhares de homens e mulheres na salvaguarda da nossa segurança. Nesta, como noutras questões, é tempo de Portugal e a Europa deixarem de se arrastar.
Escreve à quinta-feira

Arrastados


Vai sendo tempo de serem limpas as teias de aranha dos preconceitos de alguma esquerda contra as forças e os serviços de segurança


O risco voltou a sobrepor-se à normalidade e beliscou os nossos padrões de vida ocidental. É certo que a barbárie supera qualquer previsão de risco, mas o risco é parte integrante das sociedades modernas, embora muitas vezes seja ignorado ou não seja incorporado nos nossos quadros mentais. Não para nos imobilizarmos, mas para sabermos que os riscos existem, que são tão reais que têm manifestações e exigem uma resposta resiliente da nossa parte. Nada, na terra ou no céu – para os crentes –, justifica o que aconteceu em Paris. Como em tantos momentos na história da humanidade, é o triunfo da besta sobre a razão, e a besta arrastou-nos para a situação. E sempre que somos arrastados, corremos o risco de perder o controlo da situação.

A construção europeia arrastou-se para um meio caminho em que a união política não tem cimento para, no respeito pela diversidade, aparecer a uma só voz concertada; em que a união económica está coxa e não responde às necessidades dos povos e em que os pilares da Europa não acompanharam as dinâmicas das sociedades europeias e do mundo à nossa volta. Arrastados pelas circunstâncias, não respondemos aos desafios das nossas comunidades, às crises dos refugiados e dos migrantes e ao terrorismo nas suas diversas expressões. Arrastados pela subavaliação das tendências estruturais, não respondemos aos problemas da natalidade, das desigualdades sociais, da falta de competitividade europeia ou da precariedade laboral. E a resposta de alguns, cá e lá, é minimizar, ao ponto de o tema europeu não ser relevante para a governação. A resposta de menos Europa é a que gera, depois dos murros no estômago, a reacção rápida que exorciza o choque, mas resolve muito pouco quando os problemas são estruturais e a realidade parece um queijo suíço, tantos são os buracos. Também aqui a resposta nunca pode ser apenas desconstruir ou manter o que existe, tem de ser no patamar seguinte, o da construção das respostas para as novas realidades.

Não há tolerância nem atenuante possível para a barbárie. Nem deve haver preconceitos ou reservas mentais pseudo-esquerdistas que, no respeito pelo essencial dos direitos, liberdades e garantias, impeçam a adopção das medidas de segurança e de combate ao terrorismo necessárias para minimizar os riscos tradicionais e os novos riscos. 
Por exemplo, boa parte do território continental de Portugal, com maior densidade populacional, está sujeita a risco sísmico, mas não há um trabalho sistemático de educação dos cidadãos, de preparação do dispositivo de protecção civil e de integração das respostas em situação de emergência, em conformidade com esse risco.

Arrastados pela tranquilização dos indicadores de criminalidade participada, pelos constrangimentos orçamentais e pela definição de outras prioridades, descurou-se a sustentabilidade das respostas aos riscos de segurança ao ponto de a realidade ser marcada pela indigência. É essa indigência que faz com que os recursos humanos ao dispor das forças de segurança sejam manifestamente insuficientes para a complexidade da realidade, que os meios de mobilidade sejam uma lástima e que o ânimo das mulheres e dos homens que zelam pela segurança e pela defesa esteja pelas ruas da amargura. Não despertar perante os suicídios de membros das forças de segurança ou perante a denúncia de que os Serviços de Estrangeiros e Fronteiras não têm recursos humanos para, se necessário, efectuarem um controlo mais apertado das fronteiras é negligenciar os factores de risco. É para não correr esse risco que há muito defendo a estabilização de um quadro-base de recursos humanos, recursos materiais e meios operacionais que salvaguarde a manutenção dos níveis de renovação, sustentabilidade e resposta das forças e dos serviços de segurança, quaisquer que sejam os governos e as conjunturas financeiras. Não o fazer é aumentar a exposição ao risco para, depois da porta arrombada, exorcizar a má consciência dos preconceitos e da ausência de coragem política.
Quarenta e um anos depois de Abril, quando a euforia de uma mão-cheia de muito pouco fenece, vai sendo tempo de serem limpas as teias de aranha dos preconceitos contra as forças e os serviços de segurança, que confundem sempre a árvore com a floresta e impedem a dignificação do estatuto e da função de milhares de homens e mulheres na salvaguarda da nossa segurança. Nesta, como noutras questões, é tempo de Portugal e a Europa deixarem de se arrastar.
Escreve à quinta-feira