Cavaco Silva está confrontado com a decisão mais difícil dos seus mandatos presidenciais. Quer opte por dar luz verde à subida de Costa à chefia do governo, quer por manter Passos e Portas, acentuará a profunda divisão existente. A opção por uma terceira via (do tipo governo presidencial), além de inútil e duvidosa legalmente, teria o condão de somar os descontentamentos.
Não sendo pessoa de fugir a responsabilidades e demitir-se, não tendo perfil de infringir o quadro legal que o baliza, tendo poderes condicionados nesta fase, sendo um defensor da estabilidade como valor essencial, o Presidente só anunciará a sua decisão após ouvir um vasto conjunto de opiniões, ainda que ela possa já estar tomada. Mas irá cumprir os trâmites formais e rituais. Seguidamente, explicará pormenorizadamente a decisão ao país, num discurso que servirá também para memória futura. E tem de ser assim, porque Cavaco sabe que se seguirão centenas de reacções políticas e económicas que inflamarão a sociedade, passando a ser ele próprio um alvo principal dos ataques.
É pena, porque seria desejável que os debates subsequentes no parlamento, nos media, as manifestações público-sindicais, os comentários de politólogos e jornalistas não excedessem os limites de civilidade e não incitassem a uma confrontação que fosse além da dialéctica política, centrando-se na futura acção governativa.
Ora, os discursos da semana passada, nomeadamente o de um primeiro-ministro à beira de um ataque de nervos e a apelar a uma revisão constitucional tão impossível como absurda, e o tom da resposta socialista, traduzem a intenção de se persistir em guerrilhas estéreis em vez de se pôr o foco nas questões essenciais.
Uma análise racional e fria apontaria para que o Presidente endossasse, de facto, a António Costa a responsabilidade de formar governo. Há, todavia, a possibilidade de a eventual indigitação ser acompanhada de um caderno de encargos exigente que, porventura, o Bloco, o PCP, o PEV e o PAN não estejam disponíveis para subscrever, no todo ou em parte.
Do que se tem falado relativamente a exigências presidenciais, há umas quantas que parecem susceptíveis de obter. Desde logo, uma moção de confiança ao governo que tem toda a lógica no final do debate do seu programa. Depois, o compromisso claro relativamente ao primeiro Orçamento do Estado e a reafirmação da rejeição de moções de censura vindas da direita. Já a garantia de que não haverá na legislatura moções de censura oriundas da esquerda parece inaceitável e absurda, num mundo onde até os casamentos religiosos se dissolvem. Pedir uma coisa dessas seria obviamente uma falácia para justificar algo que não se quer. O comportamento ético de Cavaco Silva ao longo dos anos não indicia recurso a esse tipo de manobra ínvia.
Todavia, é natural que o Presidente insista na garantia de cumprimento de compromissos externos como o Tratado Orçamental, o Pacto de Estabilidade e os acordos no campo da defesa (sobretudo depois dos atentados em Paris), o que Costa garantiu segunda-feira na RTP. A decisão de Cavaco será, portanto, a mais fracturante das que tomou em Belém. Nada se pode dar como certo, a não ser que Cavaco manifestamente não goste da solução que Costa lhe propõe, como ficou implícito nas suas declarações na Madeira e nos discursos mais recentes. Aliás, geralmente, as decisões de Cavaco favoreceram a sua área política. Foi assim quando nada fez para evitar o chumbo do PEC IV, o que fez cair Sócrates e abriu porta às eleições que trouxeram a solução Passos/Portas. Voltou a ser assim na “irrevogável” demissão de Portas. Continuou quando não marcou eleições para Junho passado, acrescentando seis meses de legislatura e dando tempo a Passos de vender a tese do país em crescimento. Nesta fase, o comportamento parece repetir-se. Desde logo, na gestão lenta do tempo, ouvindo e dando palco a todo um conjunto de corporações hostis à solução socialista e concedendo espaço para que cheguem mensagens económicas externas e internas negativas. E não colhe o argumento do tempo que outros governos ficaram em gestão no passado, porque à época não tínhamos o aperto económico externo destes tempos.
Veremos o que o Presidente decidirá nos próximos dias para que cada português possa depois dar a sua sentença. Espera-se é que tudo o que for feito seja inatacável do ponto de vista da lei e da democracia, e que seja anunciado de forma a causar a menor tensão possível. É, aliás, para isso que serve um Presidente de todos os portugueses.
Director da Newshold
Jornalista
Escreve à quarta-feira