Paris: Crimes contra a razão e a luz


Nenhuma reposta aos crimes ocorridos em Paris pode assentar nunca na hesitação e na condescendência com as forças do obscurantismo, do fanatismo e da servidão que os inspiraram


1. Acontece por vezes que, estando fora, quando se aproxima o momento de volver ao país alimentamos expectativas excitantes sobre o que hão-de ser os momentos dessa visita.
Ver e visitar os amigos. Manter com eles conversas longas que interrompemos antes da partida. Retomar, por pouco que seja, as rotinas que só passámos a julgar agradáveis quando as perdemos. 
Todos esses projectos, uns mais desejados do que outros, uns mais planificados do que outros, nos enchem de prazer por antecipação.

São eles que nos permitem esquecer o enfado da própria viagem: as filas para passar a segurança no aeroporto, os atrasos do avião, a ansiedade com que sempre aguardamos depois a bagagem, que com a demora sempre imaginamos extraviada, sei lá.

Esses excitantes estados de alma sucedem-se sempre que tais regressos acontecem, pois tendemos a esquecer as muitas decepções que quase sempre depois sofremos, umas por culpa nossa outras nem tanto.
Constatamos, com efeito, depois e já no país, que o nosso afastamento interrompeu um ciclo de procedimentos, fazendo-nos perder o seu sentido e retirando–nos o gozo que antes julgávamos sentir com eles.

Pior, acontece, demasiado frequentemente, que programamos um tão grande número de encontros, almoços, jantares e outros momentos de festa e convívio que quase sempre acabamos enfartados e esgotados. 
Com sentimentos de culpa, começamos então a desejar regressar quanto antes às nossas novas rotinas, de que, com igual sinceridade, tão mal dizíamos antes da partida…
2. Quando esboçava ainda este texto de pendor algo solipsista, fui brutalmente chocado pela notícia dos escabrosos crimes que ocorreram em França. Tais crimes não podem senão interpelar-nos.
Eles dão-nos a medida exacta da nossa situação no mundo enquanto seres individuais, mas também enquanto membros activos de sociedades, que, pesem embora as profundas contradições que encerram, procuram, ainda assim, orientar-se pelos princípios de racionalidade e de luz que a Revolução Francesa permitiu que sistematizássemos e interiorizássemos.
A resposta que as forças democráticas e da racionalidade devem dar a tais crimes tem de ser firme e não pode deixar-se condicionar por explicações que, podendo clarificar embora muitos dos aspectos que lhes estão na base, nada permite afinal justificar.

Nenhuma resposta a tais crimes pode assentar na hesitação e na condescendência com as forças do obscurantismo, do fanatismo e da servidão que os inspiraram.

Se as forças da luz e do progresso não forem firmes e rigorosas na condenação e na punição de tais crimes, serão as forças do horror que subsistem ainda nas nossas sociedades que corporizarão o medo e a sede de justiça dos povos.

Claro que não podemos também deixar de exigir aos nosso governos, às instituições europeias, aos serviços de informação, às autoridades policiais e judiciais que nos esclareçam.
Que teias de cumplicidades políticas e económicas existem afinal a todos os níveis para consentir o financiamento a organização e o armamento de tão aberrantes terroristas?
Só a verdade e a vontade de a assumir podem permitir às forças democráticas e de progresso evitar a exploração dos sentimentos de insegurança e a demagogia que já se fazem sentir em torno das mais que justificadas exigências de justiça do povo.

Sem essa clareza, vingarão de novo as trevas: a xenofobia, o racismo, enfim, o fascismo.
E esse não será porventura o objectivo menos importante dos crimes cometidos em Paris. 

Jurista

Escreve à terça-feira 

Paris: Crimes contra a razão e a luz


Nenhuma reposta aos crimes ocorridos em Paris pode assentar nunca na hesitação e na condescendência com as forças do obscurantismo, do fanatismo e da servidão que os inspiraram


1. Acontece por vezes que, estando fora, quando se aproxima o momento de volver ao país alimentamos expectativas excitantes sobre o que hão-de ser os momentos dessa visita.
Ver e visitar os amigos. Manter com eles conversas longas que interrompemos antes da partida. Retomar, por pouco que seja, as rotinas que só passámos a julgar agradáveis quando as perdemos. 
Todos esses projectos, uns mais desejados do que outros, uns mais planificados do que outros, nos enchem de prazer por antecipação.

São eles que nos permitem esquecer o enfado da própria viagem: as filas para passar a segurança no aeroporto, os atrasos do avião, a ansiedade com que sempre aguardamos depois a bagagem, que com a demora sempre imaginamos extraviada, sei lá.

Esses excitantes estados de alma sucedem-se sempre que tais regressos acontecem, pois tendemos a esquecer as muitas decepções que quase sempre depois sofremos, umas por culpa nossa outras nem tanto.
Constatamos, com efeito, depois e já no país, que o nosso afastamento interrompeu um ciclo de procedimentos, fazendo-nos perder o seu sentido e retirando–nos o gozo que antes julgávamos sentir com eles.

Pior, acontece, demasiado frequentemente, que programamos um tão grande número de encontros, almoços, jantares e outros momentos de festa e convívio que quase sempre acabamos enfartados e esgotados. 
Com sentimentos de culpa, começamos então a desejar regressar quanto antes às nossas novas rotinas, de que, com igual sinceridade, tão mal dizíamos antes da partida…
2. Quando esboçava ainda este texto de pendor algo solipsista, fui brutalmente chocado pela notícia dos escabrosos crimes que ocorreram em França. Tais crimes não podem senão interpelar-nos.
Eles dão-nos a medida exacta da nossa situação no mundo enquanto seres individuais, mas também enquanto membros activos de sociedades, que, pesem embora as profundas contradições que encerram, procuram, ainda assim, orientar-se pelos princípios de racionalidade e de luz que a Revolução Francesa permitiu que sistematizássemos e interiorizássemos.
A resposta que as forças democráticas e da racionalidade devem dar a tais crimes tem de ser firme e não pode deixar-se condicionar por explicações que, podendo clarificar embora muitos dos aspectos que lhes estão na base, nada permite afinal justificar.

Nenhuma resposta a tais crimes pode assentar na hesitação e na condescendência com as forças do obscurantismo, do fanatismo e da servidão que os inspiraram.

Se as forças da luz e do progresso não forem firmes e rigorosas na condenação e na punição de tais crimes, serão as forças do horror que subsistem ainda nas nossas sociedades que corporizarão o medo e a sede de justiça dos povos.

Claro que não podemos também deixar de exigir aos nosso governos, às instituições europeias, aos serviços de informação, às autoridades policiais e judiciais que nos esclareçam.
Que teias de cumplicidades políticas e económicas existem afinal a todos os níveis para consentir o financiamento a organização e o armamento de tão aberrantes terroristas?
Só a verdade e a vontade de a assumir podem permitir às forças democráticas e de progresso evitar a exploração dos sentimentos de insegurança e a demagogia que já se fazem sentir em torno das mais que justificadas exigências de justiça do povo.

Sem essa clareza, vingarão de novo as trevas: a xenofobia, o racismo, enfim, o fascismo.
E esse não será porventura o objectivo menos importante dos crimes cometidos em Paris. 

Jurista

Escreve à terça-feira