“Este levantar de movimentos anti-imigrantes põe em causa o melhor da tradição da União Europeia.”
D. Manuel Clemente
Os filhos do caos e da destruição, sobretudo desde 2011, vivem em territórios daquilo que outrora foram principalmente o Iraque, a Síria e a Líbia, enquanto países mais estáveis voltaram a atacar em território europeu. Fizeram-no mais uma vez em Paris, capital do país que deu ao mundo valores de vida como a liberdade, a igualdade e a fraternidade. França tem tido em Paris um paradigma da multiculturalidade, do cosmopolitismo e da abertura a povos de várias culturas e religiões do mundo.
França e Paris têm feito do seu republicanismo e até – há que dizer em momentos com esta gravidade – do seu jacobinismo gratuito instrumentos de marcação da diferença não só à escala global mas também do chamado mundo ocidental e da matriz humanista e cristã.
Mais uma vez estes ataques dos EI, ou do DAESH, fizeram-no com contornos de terror e espectacularidade atrozes, para amplificar o mais e melhor possível o sofrimento, o terror, o medo e a força das suas acções destrutivas. Nós ocidentais caímos sempre no jogo deles, do DAESH. Engolindo mediaticamente os seus intentos. Absorvendo a sua mensagem de terror, pondo velas, flores e mensagens de pena e de dor, como eles prevêem cirurgicamente que faremos sempre. Inebriados, infelizmente, por este rito da espectacularidade imposto pelo DAESH, deixando-nos levar mais pela emoção que pela razão. E esquecendo-nos que estes ataques terroristas, nos últimos dias e semanas, não aconteceram apenas e só no território europeu. Aconteceram também em Ancara, na Turquia, em Beirute, no Líbano, e nos céus do Egipto com um avião russo. Todos perpetrados pelo DAESH, assumidos pelo DAESH, com o mesmo objectivo – nós DAESH somos terroristas e estamos em guerra com europeus, ocidentais, russos, árabes, muçulmanos, e com todos os que se atravessem no nosso caminho. Ou seja, nós, DAESH, temos no terrorismo a nossa principal arma de combate também mediático.
Mas estes ataques terroristas aconteceram em simultâneo com a Cimeira de Malta, que contou com a participação dos países europeus e dos países africanos para discutirem (mais uma vez…) as melhores formas de fazer a gestão dos fluxos migratórios entre África e a Europa. Com as conclusões habituais.
Nas últimas horas, aqui e acolá, já se foram lendo no espaço mediático declarações de que a culpa é da Europa aberta, dos refugiados que estão agora a chegar e da permissibilidade fronteiriça europeia. A ladainha do costume. Dos grandes estrategos políticos e militares, que desestruturaram países como a Líbia (actualmente a Somália do Mediterrâneo, como bem avisou Kadafi) a Síria e o Iraque, com intervenções militares desastrosas e que abriram o caminho para a criação e o crescimento do DAESH.
Quem não foi Charlie, como eu (porque entre outras coisas sou contra o unipolarismo ocidental e sou favorável aos princípios de Westefália e não favorável ao provocacionismo e à soberba civilizacional europeia), deseja que não se confunda DAESH e terrorismo com imigração. Quem o fizer estará de má-fé e a recorrer aos mais baixos argumentos, sem qualquer base, incluindo científica. E por exemplo não tendo bem claro que os milhares de refugiados que têm chegado ao território europeu é destes radicais que fogem e na maior parte dos casos porque já sofreram muito às suas mãos. Tendo de fugir. A ironia é que pelos vistos acabam por ser aterrorizados dos dois lados – nos seus países de origem e agora também no território europeu que procuram para recomeçar as suas vidas. Ensanduichados entre terroristas que nada têm a ver com religião e com imigração. Antes pelo contrário.
Escreve à segunda-feira