Por estes dias, em Belém, a azáfama diária de quem enceta os preparativos para sair de casa e examina ao pormenor todos os cantos, para deixar tudo bem arrumadinho, deve estar a ser bastante perturbada.
Nada que não se adivinhasse. As dúvidas rodam em torno de três palavras: bastante, examinar e encetar. Estas são as chaves da governação de Portugal nos próximos anos. Resume-se à conjugação destas a estabilidade política que se pretende ter para esta legislatura. E dá que pensar!
Bastante: adjectivo de dois géneros, que satisfaz; determinante e pronome indefinido, que indica uma grande quantidade ou intensidade; advérbio, em quantidade suficiente ou de grau elevado; e substantivo masculino, aquilo que basta ou satisfaz.
Encetar: verbo transitivo que indica cortar o primeiro pedaço de um todo, tirar o primeiro líquido de um recipiente, tirar alguma coisa de algo que esteja cheio ou dar princípio a; verbo pronominal, estrear-se ou ser o primeiro a fazer algo.
Examinar: substantivo masculino, considerar atentamente e nos mais pequenos pormenores, proceder ao exame, interrogar o examinado, provar ou ver a qualidade, observar; verbo pronominal, fazer exame de consciência ou observar-se com atenção. Estou quase certo de que é perante isto que o senhor Presidente e os seus conselheiros vão elaborando cenários, em constante conjugação gramatical, que satisfaçam o seu desejo de “um compromisso com sentido de responsabilidade e que assegure uma solução governativa consistente”.
Este compromisso basta ou apenas satisfaz? É o princípio de algo sólido ou é apenas uma estreia?
Esta base institucional é bastante? Tem um grau elevado de compromisso ou é apenas de quantidade suficiente?
E as responsabilidades que têm de assumir? Considerá--las-ão atentamente ou vão simplesmente observá-las?
E a solução de maioria de esquerda? É consistente e prova qualidade ou é apenas suficiente?
A tentação de travar a solução que a democracia criou é grande. Tão grande quanto, na mesma proporcionalidade, a volatilidade dos acordos que a sustentam. Por isso, Belém está ao rubro. Imagino páginas e páginas de análises jurídico-gramaticais para sustentar que os acordos de esquerda que dão “uma base institucional bastante” ao PS para formar governo não representam um compromisso responsável e consiste3nte.
A democracia é isto! Uma encenação política de conjugações gramaticais para todos os gostos! Mas desta feita há uma que é maioritária! Senhor Presidente, cumpram-se as regras do jogo.
*A leitura deste texto não dispensa a consulta dos acordos do PS, PCP, BE e PEV.
Escreve ao sábado