Calças de Király mereciam mais reconhecimento


O todo é sempre muito mais importante que a soma das partes mas estas não deixam de desempenhar um papel fundamental. Durante os seis anos e meio de i, a secção de Desporto já fez muitos trabalhos que deram um prazer especial. Uma delas foi praticamente no início, a 15 de Agosto de 2009. Para…


O todo é sempre muito mais importante que a soma das partes mas estas não deixam de desempenhar um papel fundamental. Durante os seis anos e meio de i, a secção de Desporto já fez muitos trabalhos que deram um prazer especial. Uma delas foi praticamente no início, a 15 de Agosto de 2009. Para marcar o arranque do campeonato, criou-se um “mostrengo de defeitos e virtudes” que juntaria num corpo só as características mais marcantes das várias décadas da liga. Havia o brinco de Vítor Baptista, o cotovelo de Paulinho Santos, as luvas pretas de João Alves, as “big balls” de Michael Thomas, o pé direito de Eusébio, o esquerdo de Futre, os intestinos de Barroso, o coração de Pavão, a mão esquerda de Ronny, o maxilar de João Vieira Pinto, o bigode de Chalana, o cabelo de Figo, a cabeça de Mário Jardel, a camisola preta de Carlos Gomes, a língua mordida de FernandoGomes e a tíbia de Jordão. 

Podia haver mais, mas na altura as escolhas foram estas. E assim, num corpo montado às peças que se tornou num primo afastado de Frankenstein, representou-se o nosso futebol. Entre peças e partes do corpo, não houve nenhumas calças. E isso só aconteceu porque Király nunca jogou em Portugal, sem ser pela selecção de Hungria. 
Gábor Király nunca foi um guarda-redes de elite mas nem por isso deixou de criar uma marca forte no futebol europeu. Estreou-se pela selecção principal em 1998 e hoje, 17 anos depois, tem 39 e continua igual a si mesmo. Na quinta-feira, na Noruega, fez o centésimo jogo pela selecção e mostrou que ainda tem algumas das características que sempre o definiram: a capacidade de fazer grandes defesas, a de complicar o que parece fácil e, a mais importante, a de vestir sempre calças cinzentas claras de fato de treino durante os jogos. 

“É essencialmente uma questão de conforto. Joguei em terrenos muito duros que ficavam gelados durante o Inverno e magoavam-me as pernas quando caía, por isso as calças pareceram-me óbvias”, comentou esta semana. E mesmo que o aspecto possa não ser o melhor, essa nunca foi uma preocupação para o húngaro. “Sou um guarda-redes, não um modelo”, atirou.

E fê-lo bem. Király tem muitas características que fazem dele um jogador importante, sobretudo no contexto húngaro, e se marcar presença no Europeu de França será na condição de quarentão – cumpre as quatro décadas a 1 de Abril de 2016. Mas nenhuma delas aponta para um simbolismo tão grande como as calças cinzentas que se tornaram uma imagem de marca exclusiva. Se algum dia houver um trabalho semelhante para o futebol internacional, a concorrência será apertada – o que não falta durante quase 100 anos de história de grandes competições são bons pormenores – mas haverá sempre um espaço para Király e as suas calças. Elas merecem mais reconhecimento e o Euro-2016 poderá ser um excelente ponto de partida. Mesmo fora de moda.

Coordenador de desporto
Escreve ao sábado