A guerra da Catalunha com Espanha e de Artur Mas com Antonio Baños

A guerra da Catalunha com Espanha e de Artur Mas com Antonio Baños


O ainda presidente da generalitat catalã está, desesperado, a gastar os últimos cartuchos para convencer CUP a avançar com independentismo.


Se a independência da Catalunha fosse hoje a votos em referendo, o “não” ganharia por um ponto percentual. Ainda que os que são favoráveis à secessão com Espanha tenham ganhado algum terreno na última sondagem de opinião pública na região autónoma, em relação a consultas anteriores, os resultados ontem divulgados pelo Centro de Estudos de Opinião da Generalitat (CIS catalão) espelham bem o pé de guerra em que Espanha se encontra, ao fim de quase cinco anos de avanços e recuos nas aspirações independentistas da Catalunha.

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Em Junho, quando foi conduzido o último inquérito aos catalães, a vitória do “não” era mais ampla, com um avanço de sete pontos percentuais. Agora, a oposição à independência angaria 47,8% das intenções contra 46,7% que votariam “sim” se hoje fossem às urnas. Quase um empate técnico num universo de 2 mil inquiridos, com uma margem de erro de 2,69%, o suficiente para baralhar ainda mais as contas.

Há quem diga que Artur Mas deu um tiro no pé. Convocando as eleições regionais catalãs para 27 de Setembro, em vez de acompanhar as restantes regiões espanholas nos plebiscitos de Junho, o líder do partido nacionalista de centro-direita Convergência, presidente da Catalunha desde 2011, esperava repetir os feitos de eleições anteriores: vencer com estrondo e provar assim que o povo catalão está ao seu lado e, sobretudo, que quer a independência. Mas a jogada não lhe correu de feição.

Não só foi a primeira vez, na história da Catalunha moderna, que o Convergência se candidatou sem o União, após o fim da mais antiga coligação partidária da região espanhola, como vários outros movimentos pró-independência se afastaram de Artur Mas. Asua lista Junts Pel Sí acabou por incluir apenas o Convergência e a Esquerda Republicana Catalã (ERC), que embora defenda a secessão com Espanha não está alinhada ideologicamente com o partido de Mas. A única outra força que defende a independência catalã, a CUP de Antonio Baños, elegeu dez deputados mas manteve, antes e depois das regionais, que se recusava a formar uma coligação enquanto Mas não abandonasse o poder.

ACUP não desiludiu. Na terça-feira alinhou com os anti-independentistas PPC e PSC e com a coligação do Podemos, Catalunya Sí Que Es Pot (contra a secessão mas pelo direito do povo catalão a decidir o seu futuro em referendo), e chumbou a investidura de Mas. Na quarta, Baños aceitou reunir-se com o presidente catalão, um dos últimos cartuchos de Mas para convencer pelo menos dois deputados da CUP a absterem-se na segunda volta, na qual já só precisava de uma maioria simples para ser empossado. Baños voltou a fincar pé e os resultados foram os mesmos de terça: 62 votos a seu favor e 73 contra.

Súplicas e ameaças Apesar da derrota, Mas ainda está em jogo e a tentar convencer Baños a dar-lhe um voto de confiança de dez meses, no final dos quais poderá pôr fim ao governo se estiver desiludido. Baños e a sua CUP têm todo o interesse em referendar a independência, depois de o referendo agendado para Novembro de 2014 ter sido ditado ilegal pelo Tribunal Constitucional e passado a “consulta popular não vinculativa”. Contudo, já deu mostras de que, com Mas, não há margem para negociar. Se até 10 de Janeiro os independentistas no parlamento catalão não chegarem a acordo, novas eleições regionais serão automaticamente convocadas.

As algemas nas mãos e pés do presidente catalão já não são só madrilenas. Tinha prometido que, se fosse eleito com maioria absoluta, em 2017 a Catalunha seria independente de Espanha. Não conseguiu esse mínimo de votos mas conseguiu, ainda antes da (não) investidura, que o parlamento regional aprovasse uma declaração oficial de “desconexão” com Espanha. Foi o mesmo que colar um alvo na testa. Se Madrid, ao leme do conservador Mariano Rajoy, do PP, já seguia com atenção todos os fôlegos da independência catalã, agora as coisas só vão piorar.

O Tribunal Constitucional voltou a ser o refúgio do governo central. À semelhança do que aconteceu há um ano, quando Rajoy pediu um parecer à alta instância sobre o referendo convocado, o Constitucional voltou a ditar inconstitucional a “desconexão” declarada no parlamento catalão. Foi a resposta esperada aos recursos que PP, PSC e Ciudadanos apresentaram contra a declaração soberanista, o que inaugurou mais uma batalha. Mas desta vez a luta foi mais além, com o TC a colocar 21 personalidades catalãs – entre elas, o líder ainda em funções e a presidente do parlamento catalão, Carmen Forcadell – sob vigilância apertada.

Se qualquer um desses altos cargos políticos incorrer em “delitos de desobediência”à Constituição espanhola – aquela que foi negociada pelas tropas de Franco, promulgada em 1978 e que dita uma Espanha una e indivisível – e cometer qualquer acto de secessão, a Audiência Nacional entrará em cena. Javier Zaragoza, chefe do Ministério Público espanhol, já enviou às Forças e Corpos de Segurança do Estado, aos Moços de Esquadra, à Secretaria de Estado de Segurança e à delegada do governo na Catalunha um documento de 11 páginas onde lhes ordena que comuniquem “qualquer acto criminoso que se encaixe nos pressupostos penais que são competência da Audiência Nacional”, citando, entre outros, delitos contra a Coroa e contra as instituições do Estado – uma jogada arriscada que ameaça pôr Espanha à beira de uma potencial guerra civil. Mas a julgar pelas sondagens ao possível referendo independentista da Catalunha e às intenções de voto para as legislativas espanholas de 20 de Dezembro, poderá ser essa jogada a ditar a recondução de Rajoy e do PP no poder – e, com ela, a continuação da guerra ou uma paz podre.