Não se pode dizer que sejam amigos, mas os caminhos políticos de António Costa e Wolfgang Schäuble já se tocaram, em 2007, quando ambos tiveram, nos seus respectivos países, a tutela do Interior. Costa reconhece a importância da tranquilidade alemã nesta fase e até já a referiu, mas poderá ser Schäuble considerado um aliado só porque há um passado entre os dois? Pode facilitar o diálogo, mas os objectivos da governação falarão mais alto.
“As relações pessoais contam para tudo”, avisa Silva Peneda, que hoje trabalha junto do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, no Centro Europeu de Estratégia Política. “A minha experiência diz-me que, teoricamente, ter boas relações pessoais é meio caminho andado.” Mas a outra metade do caminho só fica facilitada, e não totalmente resolvida.
Um ex-governante socialista muito experiente no palco negocial europeu garante ao i que o bom relacionamento “pode facilitar o diálogo, porque se estabelece com mais facilidade uma base de confiança, mas se as diferenças forem grandes, não haja ilusões que os objectivos de política de governação de um lado e de outro serão determinantes”. E no caso de Costa e Schäuble, as diferenças e contendas são muitas. São de famílias políticas europeias diferentes (o português dos socialistas europeus, o alemão do Partido Popular Europeu) e Costa deu agora um passo mais para a esquerda, a esquerda radical portuguesa que, nos seus programa eleitorais, rejeita a Europa.
Ainda assim, oagora ministro das Finanças alemão reagiu com tranquilidade à situação nacional. “Portugal não é diferente de outras democracias na União Europeia. Há eleições e depois os governos são formados. Portugal foi tão bem-sucedido ao longo dos últimos anos que estou completamente convencido de que prosseguirá por este caminho de sucesso.” Em entrevista à revista “Visão”, António Costa sublinhou estas palavras – “opróprio insuspeito ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, produziu esta semana uma declaração de grande tranquilidade sobre o futuro da situação política portuguesa” – para garantir que o derrube do governo e a sua solução alternativa não assustam os parceiros.
Paulo Almeida Sande é especialista em assuntos europeus e não tem dúvidas de que a declaração do todo-poderoso ministro das Finanças alemão aparece precisamente porque há uma relação prévia. “Ao fazer essas declarações, procurou dar tempo e espaço ao que se passa em Portugal”, diz. “Se tivesse havido uma declaração mais radical de Schäuble, isso teria tido efeitos negativos imediatos.” “A relação que têm permite que haja mais tolerância”, admite o especialista, ao mesmo tempo que avisa:“Em política não há amizades que se sobreponham à realidade e, além disso, há a fidelidade dentro das famílias políticas europeias.”
A relação não é assim tão próxima. No Verão, em entrevista ao semanário “Sol”, o próprio Costa o admitiu. “Não posso dizer que sejamos amigos.” E recordou o momento em que se aproximaram: “Dirigi o processo de alargamento do espaço Schengen aos novos estados-membros (…) Tivemos de trabalhar intensamente. E estivemos muito próximos.” Foi Portugal que, na altura, apresentou a solução técnica para o funcionamento do Sistema de Informações do Espaço Schengen, sem o qual não era possível a livre circulação. Ficou uma “relação pessoal”, assumiu Costa, que disse até ver em Schäuble um “europeísta”, mas também o “rosto, a alma e o músculo de uma leitura perversa do que deve ser a União Monetária na Europa”.