Muitos já se esqueceram que uma suposta coligação de CDS/PSD/BE e PCP depôs um governo minoritário do PS chefiado por José Sócrates. Estávamos em 2011. O PEC IV fora chumbado. Agora, uma coligação de PS, BE, PCP, Verdes e PAN deu por terminado o reinado da coligação PàF que tinha ganhado as eleições de 4 de Outubro com uma minoria parlamentar. Uma e outra coligação podem parecer contranatura, mas a verdade é que em ambos os casos funcionaram as regras democráticas e constitucionais. Nada a opor.
Mas há questões curiosas a referir. Nas últimas eleições legislativas, deve dizer-se que o PS perdeu, mas há que analisar bem a razão (ou as razões) por que perdeu. Não foi António Costa o único a esbanjar o capital de descontentamento que vinha de trás, provocado sobretudo pelos desmandos do governo. Foi o PS que inventou (deliberadamente?) um conjunto de tiros nos pés como não há memória e foram casos exógenos que contribuíram decisivamente para essa derrota no dia 4/10. Entre estes, um que o governo de então e a direita política aproveitaram de forma clara: a prisão do ex-primeiro-ministro José Sócrates. A manipulação mediática e a forma nada acidental como algumas ocorrências se foram sucedendo, em datas e horas muito apropriadas para descredibilizar o PS, acabaram por surtir efeito. Não interessa aqui saber se o acusado tem culpas ou não, isso só se saberá depois de julgamento, se o houver. Mas que o aproveitamento político existiu, só um ingénuo poderá contradizê-lo.
Procurava-se assim esvaziar o PS, afastando-o da hipótese de ganhar as eleições. O que foi conseguido. Mas o feitiço virou-se depois contra o feiticeiro. Esses votos subtraídos ao PS não foram para a PàF, mas para os partidos à esquerda dos socialistas, sobretudo o BE e também o PCP, e alguns para a abstenção. Afinal, a intenção de esvaziar o PS de votantes acabou por atirar o parlamento para uma confortável maioria de esquerda menos moderada que, finalmente, resolveu ter juízo e fazer aquilo que devia ter feito há muito: unir-se contra a direita unida. Quem com ferro mata, com ferro morre, diz a máxima popular.
Veremos agora como reage a Presidência da República, se engole ou não o sapo. Legalmente, será sacrifício indispensável. Mas triste fim para um Presidente que nunca o desejou assim. Por mim, que acredito na social-democracia e na liberdade, só me resta esperar que tudo dê certo e que ninguém se ponha em bicos dos pés, procurando fazer reverter a seu favor um acordo que pode abrir novos caminhos ao país. Quem o fizer, se tal acontecer, será responsabilizado.
Escreve à sexta-feira