O ano de 1983 até corre bem à selecção. Em Fevereiro, 1-0 de Dito à RFA no Restelo. Em Abril, 0-0 emCoimbra com a Hungria. Duas semanas depois (dia 27), a visita à URSS, onde “tudo é grande, tudo é imponente”, como escreve o enviado especial do jornal desportivo português “OffSide”.
“Oito milhões e meio de habitantes é o saldo demográfico de Moscovo no presente momento. Números, portanto, sete vezes superiores aos de Lisboa.” Lá, a selecção é abalroada pela máquina científica de Valery Lobanovsky, noEstádio Lenine. Ao intervalo, 2-0. No fim, 5-0. Golos de Cherenkov (16’), Rodionov (40’),Demianenko (54’), Cherenkov (65’) e Lorionov (88’). Nas bancadas, 85 mil espectadores rejubilam ruidosamente, com os jogadores portugueses apáticos, apesar de terem chegado a acordo com a federação, na véspera: 150 contos para cada um em caso de vitória. Quem mais sofre é Bento. E não é só o cabaz de golos.
À chegada a Portugal, o guarda-redes desabafa. “O que gostava era que a União Soviética passasse em Portugal aquilo que nós passámos em Moscovo. Até fome chegámos a passar. Não havia líquidos, não havia leite, não havia fruta e tivemos muitas privações. Não quero dizer que isto sirva de desculpa para o resultado, mas que foi uma ajuda, disso estou convencido. O que falhámos não sei, não consigo encontrar uma explicação para isso. A verdade é que a equipa portuguesa parecia que tinha chumbo nos pés.”
A falta de fruta e leite é parodiada nas ruas e as gentes do Barreiro, de onde Bento é natural, não lhe perdoam. Dizem as más línguas que Bento acorda com fardos de palha à porta de casa uma e outra vez. A goleada é digerida com dignidade: Portugal acerta o passo, ganha à URSS na Luz (1-0) e apura-se para oEuro-84.Allez, vive la France. É aí que Bento repõe a verdade na história moscovita.
“Limitei-me a dizer a verdade, aliás não seria preciso esperar muito tempo para se perceber bem que não mentia. Mas essas histórias da loja de pronto-a-vestir destruída e dos fardos de palha foi muito mal contada. Um homem como eu continuaria a viver e a amar o Barreiro se isso se tivesse passado? Essa história dos fardos de palha está muito mal contada: eu é que, para promoção das calças de ganga, fiz montras com fardos de palha como adereços e alguém confundiu tudo.”
Seja como for, Portugal não sai da cepa torta em Moscovo. Em 2005 não sai do 0-0 no dia em que Ronaldo sabe da morte do pai, e ainda assim joga por ele. Em 2012 perde 1-0 na qualificação para o Mundial. Que se tente em Krasnodar.