Justiça – um programa de governo


A justiça, ainda mais que o direito, não é de direita nem de esquerda, nem de cima nem de baixo. E se é não devia ser. Não pode ser!


Sabiamente me foi ensinado pelo professor Almeida Costa que a imaginação da vida é sempre maior que a do direito. E a lição é sábia porque nos lembra que o direito, isto é, a normatividade posta, nunca anda à frente das necessidades que lhe são apresentadas pela vida, e porque se refere ao direito, e não à justiça, o valor máximo e supremo para que o direito é caminho. Rectius: um dos caminhos!

Por isso qualquer programa de governação para a área da justiça é totalmente incompatível com a ciclicidade das legislaturas. Totalmente incompatível com partidarites.
A justiça, ainda mais que o direito, não é de direita nem de esquerda, nem de cima nem de baixo. E se é não devia ser. Não pode ser. Só pensar tal possibilidade já é a sentença de morte da justiça, pelo que mais valeria esquecer palavras como “Constituição”, “valores”, ou “direitos fundamentais”. No dia em que assim for ficarei horrorizado.

As últimas semanas foram precisamente uma demonstração de que a política pode ser puro tacticismo, puro jogo de luzes e sombras, de aparências, de silêncios bem geridos, de interesses, e não de valores ou ideologias. 
Este último mês evidenciou algo óbvio, indiscutível e perfeitamente legítimo: que os partidos políticos são associações destinadas à conquista e conservação do poder. Ponto final! E são-no legalmente, constitucionalmente. Quanto a isso nenhuma crítica. Se Jorge Miranda, constitucionalista, não fica horrorizado, nós também não!

Mas se nenhuma crítica fazemos, não podemos deixar de constatar que algo tão importante como a justiça não pode servir de marioneta nestes jogos tácticos. E não pode porque da justiça dependem a nossa vida, liberdade e património.

Porque é sabido que da justiça depende boa parte do grau de competitividade da economia. E se a economia com a prata da casa não funciona, como os últimos 900 anos demonstraram, só mesmo apelando ao investimento externo. Mas investimento externo pressupõe confiança de que nesta terra há tribunais civis, comerciais e laborais para decidir, efectiva, eficaz e rapidamente, os pleitos em que toda e qualquer actividade económica necessariamente se envolve. E já agora que o façam com justiça.

Por melhores que sejam as leis, que não são, são inúteis se para cobrar uma dívida se tardam lustres sem que se consiga afinal cobrar nada, se processos de insolvência podem ficar uma década a aguardar uma decisão judicial, se, se, se…

Tudo para nem falar da justiça criminal, na qual se joga a democraticidade e a legalidade de qualquer regime. Área em que das regras da detenção às das escutas telefónicas, das regras das buscas e apreensões às das declarações de arguidos e depoimentos de testemunhas, passando pela matéria das medidas de coacção e pela não perpetuação nos cargos dos magistrados, tudo merece revisão profunda.

E não é apenas porque algumas leis sejam más, mas porque nos falta uma prudente aplicação das mesmas em conformidade com os ditames do bom senso… que não é mais do que isso, a justiça: viver honestamente, atribuir a cada um o seu direito e não prejudicar os demais (Ulpiano, D.1.1.10).

Advogado,
Escreve à sexta-feira

Justiça – um programa de governo


A justiça, ainda mais que o direito, não é de direita nem de esquerda, nem de cima nem de baixo. E se é não devia ser. Não pode ser!


Sabiamente me foi ensinado pelo professor Almeida Costa que a imaginação da vida é sempre maior que a do direito. E a lição é sábia porque nos lembra que o direito, isto é, a normatividade posta, nunca anda à frente das necessidades que lhe são apresentadas pela vida, e porque se refere ao direito, e não à justiça, o valor máximo e supremo para que o direito é caminho. Rectius: um dos caminhos!

Por isso qualquer programa de governação para a área da justiça é totalmente incompatível com a ciclicidade das legislaturas. Totalmente incompatível com partidarites.
A justiça, ainda mais que o direito, não é de direita nem de esquerda, nem de cima nem de baixo. E se é não devia ser. Não pode ser. Só pensar tal possibilidade já é a sentença de morte da justiça, pelo que mais valeria esquecer palavras como “Constituição”, “valores”, ou “direitos fundamentais”. No dia em que assim for ficarei horrorizado.

As últimas semanas foram precisamente uma demonstração de que a política pode ser puro tacticismo, puro jogo de luzes e sombras, de aparências, de silêncios bem geridos, de interesses, e não de valores ou ideologias. 
Este último mês evidenciou algo óbvio, indiscutível e perfeitamente legítimo: que os partidos políticos são associações destinadas à conquista e conservação do poder. Ponto final! E são-no legalmente, constitucionalmente. Quanto a isso nenhuma crítica. Se Jorge Miranda, constitucionalista, não fica horrorizado, nós também não!

Mas se nenhuma crítica fazemos, não podemos deixar de constatar que algo tão importante como a justiça não pode servir de marioneta nestes jogos tácticos. E não pode porque da justiça dependem a nossa vida, liberdade e património.

Porque é sabido que da justiça depende boa parte do grau de competitividade da economia. E se a economia com a prata da casa não funciona, como os últimos 900 anos demonstraram, só mesmo apelando ao investimento externo. Mas investimento externo pressupõe confiança de que nesta terra há tribunais civis, comerciais e laborais para decidir, efectiva, eficaz e rapidamente, os pleitos em que toda e qualquer actividade económica necessariamente se envolve. E já agora que o façam com justiça.

Por melhores que sejam as leis, que não são, são inúteis se para cobrar uma dívida se tardam lustres sem que se consiga afinal cobrar nada, se processos de insolvência podem ficar uma década a aguardar uma decisão judicial, se, se, se…

Tudo para nem falar da justiça criminal, na qual se joga a democraticidade e a legalidade de qualquer regime. Área em que das regras da detenção às das escutas telefónicas, das regras das buscas e apreensões às das declarações de arguidos e depoimentos de testemunhas, passando pela matéria das medidas de coacção e pela não perpetuação nos cargos dos magistrados, tudo merece revisão profunda.

E não é apenas porque algumas leis sejam más, mas porque nos falta uma prudente aplicação das mesmas em conformidade com os ditames do bom senso… que não é mais do que isso, a justiça: viver honestamente, atribuir a cada um o seu direito e não prejudicar os demais (Ulpiano, D.1.1.10).

Advogado,
Escreve à sexta-feira