O desporto sempre foi o nosso melhor amigo. Garante noitadas ao invés da tradicional noite bem dormida. Promove debates de café que, banhados a imperial, nos distraem da noção de responsabilidade. Sugere heróis que superam autores, políticos, realizadores, filósofos, cientistas. Tomemos os exemplos de Rosa Mota e Fernando Gomes, referências óbvias da cidade do Porto. A primeira com medalhas de ouro em Jogos Olímpicos, o segundo com duas Botas de Ouro e uma série de títulos colectivos naquela que foi uma das melhores equipas de sempre do FC Porto. Tiago Guedes, director artístico do Teatro Municipal do Porto, lembrou-se que juntar teatro e desporto à mesma mesa podia gerar uma homenagem invulgar. Fez os convites certos e os resultados vão estar à vista amanhã e domingo: “Em Nome da Rosa”, de Pedro Zegre Penim, e “Bibota Doura”, de Miguel Loureiro. Nunca é tarde para voltar a fazer a vénia devida.
A “nossa” Rosa Diz-se que toda a figura pública tem uma capa, objecto que serve para afastar os demónios da fama e os eventuais loucos que a abordam na rua. Para Pedro Zegre Penim, enquanto encenador, era essencial perceber quem era Rosa Mota sem dez objectivas de um metro apontadas à cara. “Foi surpreendente perceber que a maneira como a Rosa se apresenta ao público é exactamente aquilo que a Rosa é: uma pessoa muito simples, divertida. E para a importância que tem não manifesta nenhuma espécie de vedetismo”, começa por contar.
A peça toma como motor de arranque a Maratona Feminina de Atenas, em 1982, a primeira maratona oficial para mulheres, que Rosa Mota venceu. “Há um lado simbólico nesse fenómeno pelo facto de essa maratona se passar em Atenas e o percurso em questão ser o do mito da antiguidade, na cidade da maratona”, conta. As memórias que vão ressurgir para os que se sentarem no Teatro Municipal do Porto são as mesmas que surgiram a Penim, prova de que ser encenador nem sempre é atestado de imunidade.
Penim não se lembra do momento em pormenor, mas recorda-se de os pais o mandarem para a cama. “Por isso, estar a fazer este espectáculo será reviver aquilo que vivi mais pelos olhos dos adultos nos anos 80”, conta. Além de artista, Zegre Penim tem o bichinho da corrida… ainda que amadora. “Tenho o objectivo de vir a fazer uma maratona, já fiz meia e correu muito bem. Mas não tenho nenhuma ambição, não quero ganhar medalhas, mas também por isto foi mais fácil interessar-me pelo universo da Rosa Mota”, conclui.
O eterno bibota Toda a gente fala do tal golo do Madjer. Certo, grande calcanhar, mas convém não esquecer quem era o capitão e matador da equipa: Fernando Gomes. Miguel Loureiro não esquece, ainda que o seu clube seja outro: “Lembro-me de ser adolescente e de o ver jogar na televisão, mas não o conhecia pessoalmente. Aliás, até sou simpatizante do Sporting, mas o Fernando sabe, até costumamos brincar em torno disso.” Com grande ajuda documental do Museu do FC Porto, que disponibilizou o material que originou o texto de “Bibota Douro”, Miguel Loureiro faz uma biografia ao vivo de Fernando Gomes, porque o teatro o permite: “O meu entendimento do teatro é sempre a liberdade do palco, a noção de cena. A cena, por tradição, consubstancia-se apenas na relação com a literatura dos textos dramáticos. Há escritas cénicas que partem dos impulsos mais variados possível, e um jogador de futebol é um impulso perfeitamente válido para iniciar um acto teatral”, remata.
O próprio Bibota, ao telefone, confessa que foram as conversas com Miguel Loureiro, a carga distinta da abordagem que o fez aceitar. “Acho que me vou divertir”, diz. E apesar de não ser um consumidor regular de teatro – “sabe, o futebol, normalmente absorve muito” –, não mostra sinais de nervos: “Sobre a peça em si não sei muito. Se calhar estão a fazer de propósito para me esconder algumas coisas… mas não estou preocupado, não vou ser actor.” A ver vamos.