Se alguns desesperam por desconhecerem o que fará Cavaco em relação à indigitação do primeiro-ministro que chefiará o XXI Governo Constitucional, todos temos o consolo de poder ouvir os candidatos à substituição do Presidente da República opinar sobre o que fariam no lugar do actual inquilino do Palácio de Belém. Marcelo parece ter desistido de lutar com os restantes candidatos presidenciais e iniciou a prática de uma nova modalidade desportiva, o “shadow boxing” com Cavaco. Nos primeiros assaltos tem-se entretido a ouvir os parceiros sociais sobre o actual momento político.
Marcelo deve ter boas razões para se passear por este universo paralelo em que já se vê investido nos poderes presidenciais. Desconfio que a consulta dos parceiros sociais, forças vivas, agrupamentos folclóricos e até mesmo dos partidos políticos prossiga também no Palácio de Belém e que não haverá fumo branco antes de o mês de Novembro se aproximar do fim, tornando absolutamente impossível a aprovação do Orçamento do Estado para 2016 até ao final do corrente ano.
Se nada for feito, a caducidade dos cortes salariais na função pública e da sobretaxa do IRS chegará à meia-noite de dia 31 de Dezembro, dando um suplemento de ânimo às celebrações do réveillon. O governo demitido na passada terça-feira tem consciência do potencial político de tal caducidade e apostou na renovação dos cortes salariais na função pública e da sobretaxa do IRS de acordo com o seu programa, avançando com iniciativas legislativas, embora soubesse que não seriam aprovadas pela maioria parlamentar. Mas entre a caducidade dos cortes salariais e da sobretaxa e o programa eleitoral do PS e, desde a passada segunda-feira, tendo também como parâmetro os acordos entre o PS e os partidos à sua esquerda, há uma grande diferença, várias centenas de milhões de euros de diferença, para sermos mais precisos. Diferença que o governo demitido gostaria de alargar, testando as diferentes sensibilidades entre os diversos partidos da esquerda parlamentar. Ao assumir como iniciativa parlamentar os projectos de lei do governo (que caducaram com a sua demissão), PSD e CDS-PP vão dar mais um suplemento de alma à esquerda, forçando a votação disciplinada por toda ela da proposta de lei do PS, que retomará a partir de 1 de Janeiro de 2015 as reduções salariais na função pública e a sobretaxa do IRS, na forma mitigada que consta dos acordos celebrados entre o PS e os partidos à esquerda.
Para quem questiona a solidez de tais acordos, nada como oferecer a oportunidade política de os testar no parlamento, esvaziando o argumentário que o Presidente da República tem vindo a brandir para inviabilizar a indigitação de António Costa como primeiro-ministro.
O governo demitido na passada terça-feira continua preso no tempo, agarrado à sua interpretação do que aconteceu na noite de 4 de Outubro, e não conseguiu ainda encontrar o caminho para a oposição. PSD e CDS-PP têm de abandonar o discurso da seita milenarista que todos os dias anuncia o fim do mundo, sob pena de os eleitores descobrirem que profeta e profecia se confundem. E um eleitorado com tendências suicidas não chega para ganhar eleições.
PSD e CDS-PP, mesmo depois de aprovada a moção de rejeição do governo que apoiavam, insistem em não assumir o papel de oposição, continuando a aguardar a aparição por cima dos jardins de Belém de um deus ex machina que os ressuscitará politicamente. E se Cavaco já tiver passado para a oposição?
Escreve à sexta-feira