A crise política e a verdade dos media


Tudo se tem passado na discussão mediática da crise como se só pudesse haver um conjunto de respostas possíveis, aquelas que os entrevistadores procuram, de qualquer jeito, veicular como verdades úteis e irrefutáveis


1. Durante os dias da crise política actual, procuraram os portugueses, compreensivelmente, informar-se das razões da mesma e sobre as consequências que as propostas que estão em cima da mesa terão para o seu futuro e o dos seus filhos. Dada a actual proeminência dos meios audiovisuais na prestação de informação e na formação da opinião, é natural que tenha sido através deles que a maioria dos nossos concidadãos procurou esclarecer-se. 
A capacidade que televisão e rádio têm hoje de chegar à maioria dos portugueses é indesmentível e ultrapassa grandemente a influência que os meios de comunicação escritos actualmente exercem.
Não vou aqui falar, porém, da rádio, pois os seus programas são os que me parecem mais equilibrados e genuinamente informativos. 
Centrar-me-ei, sim, no desconchavo dos muitos programas informativos que as TV difundem à noite, no horário nobre.

2. Quem vir e ouvir os diferentes canais televisivos – os generalistas e os especificamente informativos – depara-se com um fenómeno curioso, mas chocante.
Todas as perguntas dirigidas aos entrevistados, tanto de um como de outro lado das soluções políticas em questão, parecem decoradas e saídas de uma mesma cartilha. Pior, quando os entrevistados, por acaso, se recusam a seguir o guião que os entrevistadores tinham previsto, estes insistem tanto nas mesmas questões que parece quererem apenas obter uma réplica enquadrável num leque de respostas também predeterminado: o único admissível.
Em muitos casos, mesmo quando entrevistam agentes políticos que supõem dever responder em determinado sentido e de acordo com o que – para eles, entrevistadores – deveriam ser as respostas óbvias, encolerizam–se quando, num assomo de individualismo e liberdade, os entrevistados decidem divergir, por pouco que seja, do catecismo a que, previsivelmente, estariam obrigados. Furiosos, ou interrompem então a resposta incómoda e para eles despropositada e passam para outra questão igualmente programada, ou procuram, de imediato, traduzir o pensamento do entrevistado, reconduzindo a resposta herética a cânones que julgam aceitáveis. 
Por isso, à cautela, procuram agora entrevistar sobretudo os mais previsíveis comentaristas de serviço: os que nunca surpreendem.
Tudo se tem passado, na orwelliana e repetitiva discussão mediática desta crise, como se só pudesse haver um conjunto de respostas admissíveis, aquelas que os entrevistadores procuram, de qualquer jeito, extrair e veicular como verdades úteis e irrefutáveis.

3. Fora do debate fica, entretanto, todo um conjunto de relevantes questões políticas substantivas que são, afinal, as que estão na base da crise e cuja discussão poderia, de facto, ajudar a esclarecê-la.
Só essas questões fundamentam as diferentes opções políticas e só o seu esclarecimento permitiria aos portugueses ajuizar livremente sobre as soluções e compromissos em presença na cena política actual.
Porém, sobre elas e as opções programáticas que determinam, apenas se repete à exaustão que existem e que – quais estigmas – devem, necessariamente, condicionar as soluções institucionais para a crise.
4. Durante muitos anos, os media criticaram – e muito justamente – o pendor formalista de muitas decisões da justiça portuguesa.

A justiça ouviu, aprendeu e procurou emendar-se. 

Talvez fosse tempo de os media – especialmente a televisão – se auto--analisarem e, para não dizer mais, corrigirem os vícios formalistas de uma retórica que já muito se assemelha a pura e simples propaganda.

Jurista

Escreve à terça-feira

A crise política e a verdade dos media


Tudo se tem passado na discussão mediática da crise como se só pudesse haver um conjunto de respostas possíveis, aquelas que os entrevistadores procuram, de qualquer jeito, veicular como verdades úteis e irrefutáveis


1. Durante os dias da crise política actual, procuraram os portugueses, compreensivelmente, informar-se das razões da mesma e sobre as consequências que as propostas que estão em cima da mesa terão para o seu futuro e o dos seus filhos. Dada a actual proeminência dos meios audiovisuais na prestação de informação e na formação da opinião, é natural que tenha sido através deles que a maioria dos nossos concidadãos procurou esclarecer-se. 
A capacidade que televisão e rádio têm hoje de chegar à maioria dos portugueses é indesmentível e ultrapassa grandemente a influência que os meios de comunicação escritos actualmente exercem.
Não vou aqui falar, porém, da rádio, pois os seus programas são os que me parecem mais equilibrados e genuinamente informativos. 
Centrar-me-ei, sim, no desconchavo dos muitos programas informativos que as TV difundem à noite, no horário nobre.

2. Quem vir e ouvir os diferentes canais televisivos – os generalistas e os especificamente informativos – depara-se com um fenómeno curioso, mas chocante.
Todas as perguntas dirigidas aos entrevistados, tanto de um como de outro lado das soluções políticas em questão, parecem decoradas e saídas de uma mesma cartilha. Pior, quando os entrevistados, por acaso, se recusam a seguir o guião que os entrevistadores tinham previsto, estes insistem tanto nas mesmas questões que parece quererem apenas obter uma réplica enquadrável num leque de respostas também predeterminado: o único admissível.
Em muitos casos, mesmo quando entrevistam agentes políticos que supõem dever responder em determinado sentido e de acordo com o que – para eles, entrevistadores – deveriam ser as respostas óbvias, encolerizam–se quando, num assomo de individualismo e liberdade, os entrevistados decidem divergir, por pouco que seja, do catecismo a que, previsivelmente, estariam obrigados. Furiosos, ou interrompem então a resposta incómoda e para eles despropositada e passam para outra questão igualmente programada, ou procuram, de imediato, traduzir o pensamento do entrevistado, reconduzindo a resposta herética a cânones que julgam aceitáveis. 
Por isso, à cautela, procuram agora entrevistar sobretudo os mais previsíveis comentaristas de serviço: os que nunca surpreendem.
Tudo se tem passado, na orwelliana e repetitiva discussão mediática desta crise, como se só pudesse haver um conjunto de respostas admissíveis, aquelas que os entrevistadores procuram, de qualquer jeito, extrair e veicular como verdades úteis e irrefutáveis.

3. Fora do debate fica, entretanto, todo um conjunto de relevantes questões políticas substantivas que são, afinal, as que estão na base da crise e cuja discussão poderia, de facto, ajudar a esclarecê-la.
Só essas questões fundamentam as diferentes opções políticas e só o seu esclarecimento permitiria aos portugueses ajuizar livremente sobre as soluções e compromissos em presença na cena política actual.
Porém, sobre elas e as opções programáticas que determinam, apenas se repete à exaustão que existem e que – quais estigmas – devem, necessariamente, condicionar as soluções institucionais para a crise.
4. Durante muitos anos, os media criticaram – e muito justamente – o pendor formalista de muitas decisões da justiça portuguesa.

A justiça ouviu, aprendeu e procurou emendar-se. 

Talvez fosse tempo de os media – especialmente a televisão – se auto--analisarem e, para não dizer mais, corrigirem os vícios formalistas de uma retórica que já muito se assemelha a pura e simples propaganda.

Jurista

Escreve à terça-feira