Foi da Juventude Hitleriana no tempo de Hitler, do Partido Socialista Unificado da Alemanha (SED) quando os comunistas mandavam na RDA (República Democrática da Alemanha) e morreu nas fileiras da CDU, durante o consulado da chanceler Angela Merkel. Esteve sempre do lado de quem manda. Na Alemanha de Leste tinha o cognome de Wendehals (torcicolo), um pássaro que consegue rodar a cabeça 180 graus.
O cantor dissidente Wolf Biermann, alemão ocidental e comunista que escolheu viver na RDA, para ser posteriormente expulso pelo regime e impedido de regressar à Alemanha de Leste, diz na sua canção mais conhecida, “Ermutigung” (“Encorajamento”), dedicada a um amigo detido pela polícia política da RDA, a Stasi: “Não deixes que a dureza dos tempos te tornem duro.” Tanto a história da RDA como a de Günter Schabowski são duras.
“Eu tinha só 16 anos quando a guerra acabou. Estava num campo nazi, onde os jovens da minha idade aprendiam a usar armas. Tínhamos sido retirados de Berlim e constituíamos as últimas reservas que os nazis ensinavam a usar bazucas”, reza o depoimento de Sachabowski a Peter Molloy, em “No Mundo Perdido do Comunismo”. Depois da guerra Günter termina o liceu e começa a trabalhar como jornalista no jornal dos sindicatos, “Tribune”. Em 1952, só com dois anos de jornalismo, filiou-se no SED. A sua ascensão foi meteórica. “Quando Estaline morreu, em 1953, todos os jornais da Alemanha Oriental publicaram páginas e páginas emolduradas a negro de obituários e homenagens. Houve uma excepção: chamaram a Estaline ‘Pai da Guerra’ em vez de ‘Pai da Paz’ num dos nossos artigos.”
No dia seguinte a Stasi foi ao jornal e metade da direcção foi corrida. Günter não estava de serviço nessa noite e, por acidente, mais um na sua vida, viu-se promovido a subchefe de redacção com apenas 24 anos de idade. Quando, a 17 de Junho de 1953, os operários de Berlim se revoltaram contra as autoridades e as tropas soviéticas, o dramaturgo e poeta comunista Bertoltd Brecht ironizou com a cegueira ideológica da direcção do partido no seu poema “A solução”: “Após a insurreição de 17 de Junho/O secretário da União dos Escritores/Fez distribuir panfletos na Alameda Estaline/Em que se lia que, por culpa sua,/O povo perdeu a confiança do governo/E só à custa de esforços redobrados/Poderá recuperá-la. Mas não seria/Mais simples para o governo/ Dissolver o povo/E eleger outro?”
O prometedor burocrata Günter leu a revolta com outros olhos: “Nessa altura considerei que era uma contra-revolução”, confessa a Peter Molloy. O Muro foi construído em 1961, mas isso não abalou nada a sua posição. “Nunca mudei de atitude. Pelo contrário, reforcei as minhas convicções. A construção do ‘muro de protecção antifascista’ justificava-se plenamente aos olhos dos comunistas, como eu, para evitar que o povo se deixasse seduzir pela propaganda ocidental”, relembrou. Em 1968 foi nomeado chefe de redacção do órgão central do SED, “Neues Deutschland”, e no seu gabinete havia um telefone vermelho que ligava directamente ao politburo do partido. Para Schabowski a função do jornalista era muito clara: “Não é escrever sobre a realidade, mas interpretá-la. Ao contrário dos cidadãos comuns, nós sabíamos exactamente o que era necessário para construir uma sociedade melhor”, explicava. O líder do SED, Honecker, intervinha directamente na elaboração do jornal, e foi a convite deste que, em 1983, Günter foi promovido ao politburo do SED. Cumpria o seu papel como o mais alinhado dos alinhados. A escritora Christa Wolf apelidou-o “um dos piores” dirigentes do SED. “Relembro algumas aparições dele na associação de escritores. Metia-nos medo”, garante.
Os processos históricos estão longe de ser a preto--e-branco. A RDA foi construída de idealismos e cinismos. A Guerra Fria prestava-se a enormes ironias. No seu romance “O Saltador de Muros”, que narra a história de um homem que salta repetidamente, para surpresa de todos, da Alemanha Ocidental para a Oriental, Peter Schneider escreve: “Quando o chanceler da Alemanha Ocidental aproveitou a ocasião da emissão de uma série de televisão americana sobre o Holocausto para recomendar ao presidente do conselho de Estado da RDA que a aceitasse, para que deste modo a televisão da RDA também desse o seu contributo para vencer o passado, Robert bateu com tanta força com a mão na mesa que fez um derrame. E isto é recomendado por um ex--oficial da Wehrmacht a um combatente da resistência antifascista que permaneceu dez anos na prisão devido às suas convicções políticas.”
A 2 de Maio de 1989, a Hungria desmantela as suas barreiras na fronteira com o ocidente. Milhares de alemães de Leste começam a fugir por aí. Quando, em Outubro de 1989, o secretário-geral do PCUS, Gorbatchov, visita a RDA, nas comemorações do 40.o aniversário da RDA, o poder já está a perder o pé. O líder soviético diz à direcção do SED: “Aqueles que chegam tarde são castigados pelo história.” Honecker responde secamente: “A RDA não precisa de perestroika, já a fez.” A situação é desesperada. Numa reunião de politburo Honecker é corrido, por proposta de Schabowski, Krenz e Lorenz: Honecker vota a favor da sua própria demissão e Egon Krenz é nomeado líder do SED.
Na história chama-se “nariz de Cleópatra” à importância do acaso no curso dos acontecimentos. Se a rainha do Egipto não tivesse aquela beleza, César e António não se tinham apaixonado por ela… se não o tivessem, a história não teria acontecido da mesma maneira. O Muro e o poder em Berlim Leste estavam condenados. Os tropeções do apparatchik Günter apenas apressaram o inevitável. Passava pouco das sete da tarde do dia 9 de Novembro de 1989, a conferência de imprensa, transmitida pela televisão da RDA, estava a chegar ao fim. Günter Schabowski, membro e porta-voz do politburo do SED, apercebeu-se de que se tinha esquecido de anunciar o “decreto da liberdade de viajar”.
Estava previsto que demoraria uns dias a ser posto em prática mas ninguém o tinha avisado. No meio da sonolência disse: “Tenho a comunicar que o governo aprovou um decreto sobre as normas de viagem. Vou lê-lo.” Fez-se silêncio. Na confusão que se seguiu, os jornalistas pressionaram o porta-voz para saber “quando é que a medida vai acontecer”. “Tanto quanto sei, imediatamente”, respondeu Schabowski. Estava derrubado o Muro.