O que é negociável?


Já me habituei e aprendi às minhas custas, e relembro com natural nostalgia os desabafos do meu pai quando eu era ainda pequeno que, por mais voltas que se dê, de uma forma ou de outra, acabamos sempre por suportar os custos da gestão pública. Naturalmente – diria – é o contrato social que nos…


Assim, cumpro o meu dever de cidadão contribuinte e nunca me esquivei ao pagamento das minhas obrigações (directa ou indirectamente). Sou, como a esmagadora maioria dos portugueses, trabalhador por conta de outrem e nunca como nos últimos quatro anos me custou tanto cumprir com as mesmas.

Deixei de acreditar no Pai Natal há muito anos e quando me acenam com reduções fiscais, reposições salariais ou engenharias de isenções, fico logo desconfiado e expectante: de onde virá a compensação?

Um exemplo concreto: recebi, como, deduzo, a totalidade dos lisboetas, uma simpática cartinha do município a solicitar o pagamento da taxa de protecção civil: uma nova taxa que substitui a de conservação e manutenção de esgotos (confesso o alívio pela supressão desta, é que ficava sempre com uma ideia de que a valorização dos dejectos dos alfacinhas lhe estava indexada e irritava-me a sua sobrevalorização) e visa financiar investimentos no sector. A CML prevê arrecadar 18,9 milhões de euros por ano, mas pergunto: vai efectivamente para a protecção civil? Feitas as contas, a receita com impostos directos será de 313,8 milhões de euros em 2016, quando em 2015 era de 289,9 milhões de euros. A este aumento de receita corresponde um aumento de carga fiscal? É que só me lembro da boa nova da redução do IMI!?

Ou seja, num país de contas públicas débeis, onde autarquias e poder central vivem em gestão acrobática e de engenharias fiscais, custa-me compreender os meios que se usam para atingir determinados fins.

É o que sinto ao ler as contrapartidas, que vão saindo a conta-gotas, do acordo (ou acordos) que se negoceiam à esquerda (ou às esquerdas) por estes dias : aumento de salários mínimos, descongelamento de pensões, reposição dos cortes salariais, redução de IVA…?

Sou claro! Como socialista (versão social-democrata), não poderia concordar mais com o alívio da austeridade, com o fim do estrangulamento da classe média dos últimos quatro anos. Mas e a compensação? Temos dinheiro para tudo isto? Parece-me, mas posso estar enganado, que se reedita uma velha máxima lá da margem mais à esquerda das negociações: “O que é meu é meu, o que é vosso é negociável.”* Será? Venha(m) de lá esse(s) acordo(s)!
*José Estaline
Escreve ao sábado 

O que é negociável?


Já me habituei e aprendi às minhas custas, e relembro com natural nostalgia os desabafos do meu pai quando eu era ainda pequeno que, por mais voltas que se dê, de uma forma ou de outra, acabamos sempre por suportar os custos da gestão pública. Naturalmente – diria – é o contrato social que nos…


Assim, cumpro o meu dever de cidadão contribuinte e nunca me esquivei ao pagamento das minhas obrigações (directa ou indirectamente). Sou, como a esmagadora maioria dos portugueses, trabalhador por conta de outrem e nunca como nos últimos quatro anos me custou tanto cumprir com as mesmas.

Deixei de acreditar no Pai Natal há muito anos e quando me acenam com reduções fiscais, reposições salariais ou engenharias de isenções, fico logo desconfiado e expectante: de onde virá a compensação?

Um exemplo concreto: recebi, como, deduzo, a totalidade dos lisboetas, uma simpática cartinha do município a solicitar o pagamento da taxa de protecção civil: uma nova taxa que substitui a de conservação e manutenção de esgotos (confesso o alívio pela supressão desta, é que ficava sempre com uma ideia de que a valorização dos dejectos dos alfacinhas lhe estava indexada e irritava-me a sua sobrevalorização) e visa financiar investimentos no sector. A CML prevê arrecadar 18,9 milhões de euros por ano, mas pergunto: vai efectivamente para a protecção civil? Feitas as contas, a receita com impostos directos será de 313,8 milhões de euros em 2016, quando em 2015 era de 289,9 milhões de euros. A este aumento de receita corresponde um aumento de carga fiscal? É que só me lembro da boa nova da redução do IMI!?

Ou seja, num país de contas públicas débeis, onde autarquias e poder central vivem em gestão acrobática e de engenharias fiscais, custa-me compreender os meios que se usam para atingir determinados fins.

É o que sinto ao ler as contrapartidas, que vão saindo a conta-gotas, do acordo (ou acordos) que se negoceiam à esquerda (ou às esquerdas) por estes dias : aumento de salários mínimos, descongelamento de pensões, reposição dos cortes salariais, redução de IVA…?

Sou claro! Como socialista (versão social-democrata), não poderia concordar mais com o alívio da austeridade, com o fim do estrangulamento da classe média dos últimos quatro anos. Mas e a compensação? Temos dinheiro para tudo isto? Parece-me, mas posso estar enganado, que se reedita uma velha máxima lá da margem mais à esquerda das negociações: “O que é meu é meu, o que é vosso é negociável.”* Será? Venha(m) de lá esse(s) acordo(s)!
*José Estaline
Escreve ao sábado