É mais ou menos óbvio que vivemos num regime parlamentar em que quem (des)faz governos é a Assembleia da República. Também será evidente que a austeridade dos últimos anos, embora necessária, foi mal distribuída (nunca se venderam tantos automóveis de luxo como agora) e que, em consequência, a esquerda tem agora mais deputados do que a direita. O PS só podia escolher entre ser muleta do PSD/CDS ou tentar a sorte com um governo com o Bloco e o PCP. Para grande espanto de muita gente – mesmo dentro do PS –, António Costa pensou fora da caixa de Pandora e abriu-a.
Um governo PS suportado por um acordo à esquerda é uma novidade nos 40 anos deste regime e traz consigo a vantagem adicional de obrigar dois partidos contestatários a amadurecerem. Claro que também assusta o PSD e o CDS porque, se for bem--sucedida, esta experiência remete--os para uma posição subalterna por muitos anos (sociologicamente, Portugal vota mais à esquerda do que à direita). Mas para que Bloco e PCP saltem do seu reduto do “contra” sistémico para uma posição política construtiva (não quer dizer que se concorde com tudo o que eles propõem, quer dizer que eles se devem esforçar por construir e não apenas reclamar contra o que, mal ou bem, os outros tentam fazer) é preciso que o PS os envolva definitivamente no governo que hão-de aprovar no parlamento.
Bloquistas e comunistas devem indicar ministros que demonstrem a sua real vontade de participar numa solução política que, quanto mais não seja, tem o mérito de ser diferente. Os norte--americanos costumam dizer “put your money where your mouth is”. Pode parecer deslocado neste caso, mas será melhor ver ministros vermelhos no novo governo, como penhor da boa vontade entre os três partidos envolvidos.
Escreve à sexta-feira