Mobilização nacional. Quase 7 mil voluntários prontos para receber a primeira vaga de refugiados

Mobilização nacional. Quase 7 mil voluntários prontos para receber a primeira vaga de refugiados


A PAR uniu esforços de 6487 voluntários e de 255 instituições que estão preparados para dar acolhimento a 650 pessoas.


Os 45 refugiados que esperaram durante nove meses por um visto que lhes permitisse sair do Cairo, no Egipto, chegam amanhã a Portugal. Estas oito famílias (27 sírios, dez eritreus e oito sudaneses) viram-se obrigadas a largar tudo e fugir dos seus países. Uns por causa da guerra na Síria e no Sudão, outros por causa de um regime ditatorial, como é o caso dos eritreus. Vêm ao abrigo da quota anual de reinstalação acordada com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e vão ser distribuídos entre Sintra, Lisboa, Penela e também no distrito de Coimbra. 

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 Está tudo pronto para os receber: casas, água e luz, despesas com a alimentação e com transportes pagas. Ainda não fazem parte do contingente de 4574 refugiados que Portugal vai acolher ao abrigo do programa de recolocação traçado pela União Europeia. Desses quase 5 mil, o primeiro grupo, de 30 refugiados, vai chegar no final do mês, avançou ontem o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Os primeiros 30, dos quais ainda não se sabe nada, podem até ser uma gota no oceano da crise a que se assiste na Europa, mas Portugal já está pronto para receber muito mais. A garantia é dada ao i pelo coordenador da Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR), Rui Marques, que nos últimos dois meses conseguiu reunir esforços que permitem acolher “de imediato” mais de 400 refugiados, distribuídos por 68 instituições e associações, muitas de cariz religioso, que se comprometeram a fazê-lo. Segundo Rui Marques, este número vai subir já na segunda-feira, quando mais três dezenas de compromissos forem assinados com a PAR, o que vai permitir dar acolhimento a mais de 600 pessoas, que vão ser distribuídas por praticamente todos os distritos.
Rui Marques considera no entanto lamentável que, havendo recursos humanos e financeiros no país já há quase dois meses, ainda não tenha chegado um único refugiado a Portugal devido à “lentidão dos processos europeus”, mantendo-se durante este tempo milhares de vidas em situações miseráveis nos campos. “A informação que temos é que até ao final do mês vai chegar a primeira vaga, mas o dia exactamente ainda não sabemos”, afirma, criticando a Comissão Europeia por já ter dado várias datas durante Outubro e nunca se terem confirmado.

O presidente da Cáritas Portuguesa, Eugénio Fonseca, também criticou os atrasos na distribuição dos refugiados, considerando que se devem a “uma desorientação da própria União Europeia”.

Segundo Eugénio Fonseca, esta situação vem confirmar o que tem vindo a dizer “nos últimos cinco anos”, que a Europa tinha “perdido a vertente solidária que esteve na base da sua constituição”. “A nossa Europa tornou-se económica de mais e esqueceu a dimensão humana”, lamentou.

Tudo a postos As instituições que vão receber as famílias vindas da guerra são chamadas anfitriãs. Ao assinarem o protocolo com a plataforma estão a comprometer-se não só a dar uma habitação, mas também a potenciar e acompanhar a inserção dos refugiados na comunidade durante dois anos, explica Rui Marques ao i. “Esse acolhimento envolve alojamento autónomo, apoio na alimentação e no vestuário, apoio na procura de trabalho, no acesso ao Serviço Nacional de Saúde, no apoio à educação das crianças e no apoio à aprendizagem do português.” O coordenador da plataforma e também presidente do Instituto António Padre Vieira (IPAV) explica que a PAR irá também fazer uma visita técnica às instituições anfitriãs, embora haja “confiança” na “boa-fé” de quem está a disponibilizar ajuda. Rui Marques está consciente de que há riscos de que a motivação e disponibilidade para ajudar possa diminuir, porque “há uma forte correlação entre o impacto mediático das notícias e a mobilização da opinião pública”. Mas tem “esperança” que os portugueses “continuem atentos e disponíveis” a longo prazo.

Desde a formação da plataforma, no início de Setembro, associaram-se a esta operação quase 7 mil voluntários – metade na zona de Lisboa –, que estão a receber formação, através de um curso em e-learning para saber como lidar com pessoas que certamente trarão consigo traumas de guerra, além de pertencerem a culturas e religiões que podem causar estranheza e inércia do lado de quem quer ajudar. É com a preocupação de “proporcionar um melhor acolhimento” que as universidades e os politécnicos estão a desenvolver oferta formativa, através de cursos feitos sobretudo à distância, para os técnicos e outros voluntários que vão contactar com refugiados.

Além das “anfitriãs “e dos membros fundadores” – entre os quais se encontram por exemplo a Cáritas, o Serviço Jesuíta de Refugiados, a Comunidade Islâmica de Lisboa, a Comunidade Vida e Paz – muitos outros se foram juntando à plataforma, como o Conselho Português para os Refugiados (CPR). Feitas as contas já são 255 instituições, associações e fundações que se comprometeram a ajudar. A plataforma assume-se assim como um complemento ao exercício dos vários ministérios, sobretudo o da Educação, o da Saúde e o da Administração Interna, representado pelo SEF, que fará o primeiro contacto com os refugiados. “Só depois dessa fase, e se as famílias forem encaminhadas para a PAR, faremos um trabalho de ajustamento tendo em conta o perfil das famílias e as ofertas de acolhimento disponíveis.”

Paralelamente à acção de acolhimento decorre uma campanha de recolha de fundos (PAR – Linha da Frente) para os refugiados nos países de origem ou países vizinhos. Até ontem, os portugueses doaram 125 mil euros, que vão ajudar refugiados no Líbano, através das associações que estão no terreno, a Cáritas e o Serviço de Jesuítas aos Refugiados. Estima-se que no Líbano existam 1,2 milhões de refugiados registados e cerca de 300 mil não registados. O objectivo da campanha é chegar aos 200 mil euros até ao final do ano, sublinhou Rui Marques, considerando o valor angariado até agora “um contributo muito generoso”.

Lisboa recebe 500 Por ser a principal porta de entrada dos refugiados que vão chegar a Portugal, e por isso ter uma “responsabilidade acrescida”, Lisboa está também a desenvolver um plano específico pelo qual se compromete a receber 500 refugiados, em articulação com as várias juntas de freguesias e a Plataforma de Apoio aos Refugiados. Embora ainda estejam a ser ultimados “esforços” nesse sentido, a câmara prevê que 2 milhões de euros do orçamento se destinem ao cumprimento do plano, apresentado pelo vereador dos Direitos Sociais, João Afonso.