Vítor Ramalho. “Se o governo tiver ministros do PCP e do BE, o compromisso é muito maior”

Vítor Ramalho. “Se o governo tiver ministros do PCP e do BE, o compromisso é muito maior”


Dirigente do PS lembra a António Costa que deve ouvir os militantes para evitar mais divisões no partido e assume que aliança com comunistas e bloquistas envolve riscos. “Só quem não olha para a realidade é que não vê riscos”, diz.


Vítor Ramalho, que pertence à comissão política do PS e foi consultor da casa civil do Presidente da República nos tempos de Mário Soares, não acredita que Cavaco rejeite uma solução de esquerda e avisa que o agravamento da crise à escala global não deixa espaço para um governo de gestão.

 

O Presidente da República fez um discurso muito crítico de uma solução de governo que incluísse o PCP e o BE. Acha que o PR pode rejeitar o governo de esquerda?

Acho que o Presidente dificilmente deixará de dar posse ao governo alternativo liderado por António Costa com o apoio do PCP e do BE.

Não acredita que o Presidente opte por deixar este governo em gestão?

Tudo pode ser feito, nomeadamente isso, mas há aqui situações delicadas. Num período destes, tão complexo, em que se vão adensar fortemente factores de crise à escala global e com efeitos internos muito sérios, não é desejável que seja um governo de gestão.

O Presidente classificou o governo de esquerda como uma alternativa inconsistente.

Sim, mas vi este segundo discurso de forma diferente. O primeiro foi um discurso muito marcado pela ideia de que o governo teria de ser um governo daquilo a que se chama os partidos do arco da governação. O segundo foi mais um alerta para o futuro que propriamente uma condicionante absoluta para a indigitação do António Costa como primeiro-ministro.

Defendeu a realização de um referendo interno no PS para saber se os militantes aprovam a aliança com o PCP e o BE. Continua a achar que o PS deveria consultar os militantes?

Seria de grande utilidade haver uma forma de os militantes se poderem pronunciar. Infelizmente começo a constatar que os acontecimentos se precipitaram a um ponto tal que duvido que isso seja exequível neste momento.

Não tenciona insistir nessa proposta?

Já apresentei essa posição duas vezes à comissão política. Estou expectante relativamente ao conteúdo daquilo que vai ser apresentado e a como vai ser apresentado relativamente aos acordos que vão ser feitos. Tenho de aferir qual é o conteúdo do acordo e qual é a vontade da direcção. Mas tenho esperança que haja uma forma de auscultação muita alargada dos militantes. Isso é fundamental. Seria bom, até ao congresso do PS, os militantes serem ouvidos, porque há aqui uma alteração do posicionamento do PS. Isso já foi experimentado pelo Mário Soares em 1983, no bloco central. O SPD Alemão fez um referendo interno para fazer um acordo com Merkel e o PS francês fez um referendo relativamente à coligação para as autárquicas. É uma questão de princípio e nas questões de princípio não podemos claudicar.

Nesse sentido acha saudável a corrente alternativa que está a ser criada pelo Francisco Assis?

Os estatutos do partido contemplam a possibilidade de serem criadas correntes internas, e portanto não tenho nada a objectar. Isso não é negativo. Se porventura tivesse havido hipótese de um alargamento da auscultação militante, isso reforçaria o partido. Não o clivaria tanto.

Os críticos deste acordo à esquerda têm avisado que o PS corre muitos riscos. Não teme que o PCP e o BE deixem cair o governo se forem precisas medidas impopulares?

Só quem não olha para a realidade é que não vê riscos. Nós temos de falar aos portugueses de uma forma clara e nesta solução, perante a opinião pública, tem de ficar claro que isto resulta da defesa de causas e não do exercício do poder pelo poder.

Mas não se revê nas críticas de Francisco Assis…

Não concordo com elas. Sendo certo que há aqui a necessidade de um alerta muito forte para os riscos que representa esta opção, também não me revejo nas posições que o Francisco Assis sustenta. São posições de direita, sem que se ofereçam alternativas reais àquilo que é o conteúdo do socialismo democrático.

Julga que um governo do PS apoiado pelo PCP e pelo BE pode durar quatro anos?

Vai depender muito de várias questões. Vai depender da clarificação dos objectivos que forem traçados, da firmeza com que eles vão ser concretizados, mas também das pessoas, que têm de estar à altura destes desafios. São três factores que têm de estar conjugados. Isto é feito de pessoas e é preciso saber com que pessoas o António Costa vai contar para isto. E finalmente como a governação vai passar para a Assembleia, é muito importante não descurar a acção partidária. Pode ser fatal descurar a acção partidária. O partido deve ter a maior atenção a esse ponto, muito mais do que teve até à data. Há necessidade de um partido socialista ideologicamente reforçado e humanamente mais apoiado.

Prefere um acordo de incidência parlamentar ou o PCP e o BE deveriam ter ministros no governo?

Se o governo incorporar pessoas de outros partidos, sobretudo do PCP e do BE, o comprometimento é muito maior. É o que me diz a experiência. O compromisso é maior, porque é responsabilizado colectivamente.

Era preferível um governo com ministros do PCP e do BE?

Há posições diferentes dentro do partido.

Qual é a sua posição?

Quando foi da fase de transição para a democracia defendi a integração. É muitíssimo mais co-
-responsabilizante haver a presença de representantes do PCP e do Bloco.