© Sara Matos
Que o segundo governo de Passos Coelho vai cair na Assembleia, ninguém duvida. Desde logo porque não há no PS quem se atreva a violar a disciplina de voto, o que excluiria definitivamente quem o fizesse da vida política e mordomias associadas. Os partidos não pagam a traidores em votações cruciais. Toleram os dissidentes que se afastam gradualmente. Francisco Assis anda a fazer peito, mas está em Estrasburgo. Se cá estivesse, provavelmente também amochava.
O primeiro efeito económico das recentes eleições foi, entretanto, o de destapar buracos, processo que pode multiplicar-se. Soube-se que a proclamada devolução da sobretaxa passou de 35% para 9%. A monstruosa dívida pública subiu. Este ano emigraram mais 110 mil pessoas e o desemprego mantém–se acima de 12%. Não admira que os indicadores de confiança dos portugueses sejam negativos, o que não sucedia há uns tempos.
Estamos perante um agravamento das contas públicas que o governo Passos/Portas tentou disfarçar, assim como escondeu medidas de repressão social desumana. No campo da barbárie, não há melhor exemplo de insensibilidade do que a notícia não desmentida do “Correio da Manhã” de que vai limitar a pensão de invalidez a quem tiver morte certa em três anos. Esta medida iníqua é indigna de quem se reclama da social–democracia e da democracia cristã.
Não há dinheiro para os inválidos, mas houve 1500 euros por cada português para salvar a banca, num total de 14 mil milhões, dos quais apenas cerca de um terço foram recuperados, sem que isso evite a forte probabilidade de ter de haver injecções substanciais de capital na Caixa, BES e Banif.
É oportuno lembrar que os monumentais estoiros da PT e do BES estiveram interligados e resultam também (mas não só) da passividade do governo que, num caso, entregou a golden share e, no outro, abdicou de fiscalizar o BES. A venda do BES vai custar milhões aos portugueses e foi o exemplo acabado de falhanço. O Banco de Portugal (BP) tinha contratado por 15 milhões o Paribas. Falhou. Agora, com o aval do Ministério das Finanças, a tarefa vai para Sérgio Monteiro, o ex-secretário de Estado dos Transportes que vendeu à pressão o que podia e não podia no sector que tutelava. Aguarda-se notícia do valor da comissão a receber ou do salário contratado para esta missão – isto para não falar da falta de decoro de a incumbência ter sido negociada e anunciada com a criatura ainda no governo. Só falta agora que se junte ao naipe de gestores/políticos do “centrão” que se assustam com os comunistas indígenas, mas são entusiastas funcionários do PC chinês na EDP, REN e Fidelidade.
Depois de Passos virá António Costa e a sua solução de esquerda mais ou menos abrangente. Durará o tempo que o Bloco ou o PCP entenderem. De tal governo não se esperam prebendas para o país. Até porque chega exactamente na hora em que a crise volta a agravar-se, por motivos conjunturais planetários, e depois de uma governação muitas vezes errática que já nos colocou na rota de um segundo resgate, que será inevitável se a despesa crescer demais com o PS.
Ora com um programa baseado no aumento do consumo interno e, portanto, no crescimento da despesa privada e pública, o que levará a mais importações e a um agravamento das contas com o exterior, Costa irá direitinho esbarrar no muro alemão de Merkel. A isso somam-se as repercussões negativas da situação económica de Angola, Moçambique e Brasil, e a desaceleração da economia chinesa e das nossas exportações.
Com esta herança, Costa está sem margem para políticas económicas expansionistas, além de estar capturado pelo Bloco e o PCP, que têm ambos objectivos próprios. O Bloco quer posições políticas no aparelho de Estado. O PC não quer perder as empresas públicas de transportes, onde põe e dispõe e que dão vida à sua CGTP. E ambos fazem exigências salariais insustentáveis no imediato.
É provável que a solução Costa aguente, quando muito, dois anos. Nesse entretanto, caberá ao líder do PS conseguir o que parece impossível nos dias de hoje: enfrentar os seus parceiros, governar mantendo os compromissos internacionais e evitar o resgate, a fim de que o nosso charco não passe a pântano. Isto enquanto PSD e CDS (se mantiverem as lideranças) lhe farão uma oposição implacável na perspectiva de voltarem ao poder com maioria absoluta.
Cavaco Silva tem ainda uma palavra política. Há quem se agarre à ideia de que só dará posse a Costa com um acordo claro e durável. Talvez. Mas essa exigência parece legalmente duvidosa e Passos não quer ficar em gestão. Resta–lhe dar o sim ao poder parlamentar e deixar passar o executivo de Costa, independentemente da sua geometria política. O Presidente poderia ter marcado eleições para Junho enquanto tinha plenos poderes. Portanto, se não gosta do governo, terá de ter paciência, pois está a deitar-se na cama que também ajudou a fazer.
Director da Newshold
Jornalista
Escreve à quarta-feira