A uma semana da data anunciada pelo próprio Carlos César para a divulgação pública do acordo de esquerda, o líder parlamentar socialista veio ontem deixar um aviso: ou há um compromisso claro até ao início da próxima semana ou o PSdeixará passar o programa do governo PSD/CDS.
“Não votaremos nem apresentaremos nenhuma moção de rejeição se não tivermos em simultâneo a garantia de que temos uma alternativa acordada e consolidada com os restantes partidos políticos”, sublinhou ontem o líder parlamentar socialista, esclarecendo que por agora não há acordos fechados.
Falando no final de um encontro com o ministro dos Assuntos Parlamentares, Carlos Costa Neves, César defendeu que, “enquanto não existir um acordo firmado com o PCP e o Bloco de Esquerda, não vale a pena valorar o estado das negociações como estando a 90% ou a 40%”. Mas na próxima segunda-feira tem de estar a 100%: “É importante que esse acordo seja aclarado, evidentemente, antes da discussão do programa do governo, porque é esse o compromisso do PS.” O também presidente do PS voltou a lembrar o que António Costa tem dito desde a noite das eleições legislativas – “Só nos constituiremos como uma força política que contribui para o derrube do governo PSD/CDS se formos simultaneamente portadores de uma alternativa responsável, estável, com sentido duradouro”.
Negociações na fase política
Embora o acordo ainda não esteja finalizado, as negociações técnicas com o Bloco de Esquerda estão já a ser ultimadas e os partidos preparam-se agora para definir os contornos mais políticos do acordo – por exemplo se o compromisso envolverá participação no governo ou não. Uma fase delicada sobre a qual nenhuma das partes se pronuncia, e que acabará inevitavelmente nas mãos dos líderes partidários.
Entre socialistas e bloquistas a questão do salário mínimo ainda não está totalmente decidida, embora o BE admita um aumento faseado, na legislatura, até aos 600 euros. Um dos últimos pontos que ainda estavam em aberto, a descida do IVA da electricidade – que actualmente está na taxa máxima de 23% – ficou quase integralmente pelo caminho. O acordo entre os dois partidos preverá uma formulação genérica sobre a necessidade de encontrar formas de reduzir a factura da energia. De imediato, fica apenas previsto o alargamento do acesso à tarifa social da electricidade.
Menos avançado estará o acordo com o PCP, mas fonte socialista dá por seguro que as conversas chegarão a bom termo. Ontem, em declarações ao “Diário de Notícias”, Armando Farias, dirigente da CGTP, admitia que o aumento do salário mínimo para os 600 euros – aquele que estará a ser o ponto mais difícil das negociações – poderá não ser imediato: “Não pomos de lado que haja um processo de aumento faseado.”
Por decidir está também a hipótese de os três partidos da esquerda virem a apresentar uma moção de rejeição conjunta do programa de governo, que será discutido na Assembleia da República na próxima segunda e terça-feira. Ontem João Oliveira, líder parlamentar do PCP, sublinhou que para já a intenção dos comunistas passa por avançar com um documento autónomo. “Essa foi a disponibilidade que assumimos desde a noite das eleições. Não havendo decisão em contrário, essa disponibilidade é a que se mantém”, adiantou o dirigente comunista. Já sobre as conversações à esquerda e o cenário de vir a assinar um acordo com o PS e o BE, João Oliveira sublinhou que “a palavra de um comunista vale tanto como um papel assinado, nesta circunstância”. Sem mais “novidade ou comentário”, dado que o processo está em curso.
Divergência é legítima Ontem Carlos César deixou também um comentário à criação de uma corrente, dentro do partido, liderada por Francisco Assis – já com encontro marcado para um almoço na Mealhada, no próximo sábado, para contestar a formação de um governo de esquerda. “Como socialista digo apenas: não acredito que um socialista prefira um governo de direita com o apoio do PS a um governo do PS com o apoio da esquerda”, disse o presidente do PS, desvalorizando a iniciativa de contestação: “É legítimo e até desejável que o PS tenha opiniões divergentes sobre esse assunto [acordo à esquerda]. Como teria, de resto, se estivéssemos a fazer o percurso contrário.”
Opinião diferente manifestou Vera Jardim, que admitiu aos microfones da Renascença vir a juntar-se a Francisco Assis caso o acordo à esquerda não respeite o princípio de que “as contas têm que bater certas”. Com Lusa