O local de trabalho serve de pano de fundo a um género dramático que merece uma categoria só sua. Não raras vezes, a ficção foi lá buscar os elementos mais tortuosamente concretos para dar credibilidade a monstruosidades que acabam por parecer cenários fantásticos de miséria humana. Há as engrenagens de opressão kafkianas mas há, por outro lado, a aventura das tripulações das naves intergalácticas, escritórios onde a emoção trepa pelas paredes como se estes levantassem voo e saíssem pelo cosmos. Do ambiente mais trivial e patético a níveis de tensão piores do que os que se viveram entre frentes nas trincheiras de uma guerra, quase todos temos histórias, e uma boa parte dos contadores não prescindiriam de uma certa dose de paranóia nos seus relatos.
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Nos momentos em que a realidade pareça ter perdido irremediavelmente o pé no terreno da ficção, uma boa bússola são os documentos secretos de uma organização de espionagem. A CIA é sempre uma boa fonte. Na vanguarda da espionagem ao longos da últimas décadas, as perigosas mentes que estiveram por trás de alguns dos golpes mais impressionantes orquestrados nos bastidores da história têm um capítulo curioso ligado ao estudo dos locais de trabalho.
“Manual de Simples Sabotagem no Terreno: Serviços Estratégicos” é o título de um antigo documento secreto da agência norte-americana, agora desclassificado, que em 20 páginas vai delineando uma série de acções práticas que podem ser usadas por espiões ou cúmplices de forma a causar todo o tipo de sarilhos num ambiente de trabalho. É um plano que explora diferentes maneiras para que, sem levantar suspeitas, um agente ou cúmplice possa sabotar a actividade de qualquer empresa, afundando a sua produtividade.
O mais curioso no documento é o facto de o tipo de sabotagem que a CIA sugere como meio de minar empresas europeias no período final da II Guerra Mundial – foi publicado em Janeiro de 1944 – se assemelhar muito às situações clássicas que se associam à vida das empresas.
O plano especifica que foi elaborado de forma a demonstrar “simples actos que um cidadão-sabotador pode realizar” de forma a prejudicar países e companhias, recorrendo às ferramentas próprias do ambiente profissional e “de forma a envolver o mínimo perigo de lesão, detecção e represálias”.
Se há países em que a ética do trabalho é respeitada porque é claro para todos o benefício de escapar às intrigas de corredor e ao bolor dos maus ânimos, entre nós talvez seja mais difícil evitar a paranóia. Qualquer leitor de jornais portugueses pode ser levado a pensar que alguns gestores de topo nacionais não são, afinal, incompetentes ou corruptos, mas empenhados zero-zero-setes que têm garantido com sucesso que Portugal nunca terá uma economia entre as mais competitivas.
Este manual da CIA lê-se como um daqueles emails que circulam todos os dias num inteligente jogo irónico com a praga de espiões que tornam o dia-a-dia nas empresas um martírio. Acontece que não é ironia. Se há algumas sugestões que exigem, de facto, dedicação, a maioria pode ler-se como o contrário das mais simples regras para garantir um ambiente de trabalho são.
Mas vamos a alguns exemplos, antes que o leitor, que pode estar a ler isto no emprego, seja chamado para uma reunião urgente. E comecemos por aí. Uma das sugestões da CIA é convocar reuniões a toda a hora e especialmente em momentos difíceis ou importantes. O documento recomenda ainda aos sabotadores que se “façam de estúpidos” e procurem “ser tão irritáveis e conflituosos quanto possível, sem se meterem em problemas”. Outra sugestão passa por saber de cor os regulamentos e lutar pela sua “aplicação até à última letra”.
Sempre que haja alguma dificuldade, alguma dúvida, o melhor é tratar para que esta seja “estudada mais a fundo”, e para isso existem os comités. Estes devem contar com tantas pessoas quantas caibam na sala de reuniões, e nunca menos de cinco.
A ideia é mesmo não trabalhar, e a regra de ouro é perder o máximo de tempo possível com questões irrelevantes. Mesmo se não há público, impera a lei dos reality shows: quanto mais confusão, melhor. No local de trabalho, o espião é um perfeito empecilho, mas dissimulado. Ele nunca entende bem as ordens que lhe dão, tem sempre dúvidas e, quando coloca as questões aos chefes, solta um relambório sem fim à vista. É um artista da desconversação. Não há circular que não lhe cause arrelias. Minuta que não precise ser retocada. Preencher os formulários de forma ilegível ou omitir informações necessárias. Nunca é razoável, mas é precisamente isso que exige aos colegas.
O manual refere ainda como ponto-chave no esforço de sabotagem de uma empresa o tratar com grande simpatia os trabalhadores mais ineficientes, e não só isso mas, se lhe couber decidir, promovê-los. A injustiça é mesmo a norma operativa. Discriminar os trabalhadores mais competentes, descobrir aspectos insignificantes no seu trabalho para as apresentar como falhas. E a técnica que qualquer espião deve aperfeiçoar acima de todas as outras: espalhar rumores, inventar histórias que perturbem ao máximo as horas de trabalho. Qualquer suspeita ou intriga é boa se deixar as pessoas nervosas, se as agitar, se servir para retirar a sua concentração daquilo que devia ocupá-las.