No Parlamento, há mais de 37 anos (14 de Setembro de 1978), o dia da votação das moções de rejeição ao programa do III Governo Constitucional, de Nobre da Costa, começava assim: “Senhor presidente, senhor primeiro–ministro, senhores membros do governo, senhores deputados: ao encerrar o debate do programa do governo, duas são as conclusões que dele resultam imediatamente. A primeira é que o governo não significa uma nova vida para os portugueses; pelo contrário, se passasse nesta câmara, a sua governação iria agravar ainda mais a situação de quem trabalha.” No uso da palavra estava Acácio Barreiros (UDP), futuro militante socialista, cujo discurso, mais adiante, Manuel Alegre apoiaria com um “muito bem!”.
Era a moção do PS que estava a ser votada, mas mais se perfilavam, designadamente a do PCP, que Acácio Barreiros anunciava também pretender votar favoravelmente. O governo de Nobre da Costa só tinha o apoio do PPD, de alguns independentes e do então Presidente da República, Ramalho Eanes. Era, aliás, um governo da sua iniciativa.
Estava condenado. Caso a moção do PS não passasse, outras se seguiriam: PCP, UDP e também o CDS. Seria aprovada a moção de rejeição com os votos favoráveis de PS, CDS e UDP, mais os independentes Galvão de Melo (eleito nas listas do CDS), Aires Rodrigues e Carmelinda Pereira (ex-PS que fundaram o Partido Operário de Unidade Socialista), Lopes Cardoso (ex--socialista fundador da União da Esquerda Democrática e Socialista), Brás Pinto (eleito nas listas do PS em Setúbal) e Vital Rodrigues (eleito nas listas do PS por Aveiro).
O PCP absteve-se, o que gerou alguma polémica. Acácio Barreiros acusaria os comunistas de, ao declararem apenas votar favoravelmente a sua moção, estarem a sugerir aos outros partidos que fizessem o mesmo e, com isso, permitiriam que o programa de governo passasse. O executivo de Nobre da Costa cairia ali, 18 dias após ser empossado por Ramalho Eanes, apesar dos 71 apoiantes do então PPD, mais os votos favoráveis de António Barreto (eleito pelo PS de Vila Real que apoiará mais tarde a Aliança Democrática) e Medeiros Ferreira (socialista eleito por Lisboa e fundador do Movimento dos Reformadores, que também veio a apoiar a AD).
O governo de Nobre da Costa, num período politicamente muito polarizado, conseguia unir a esquerda e juntar a esta a ala mais à direita do parlamento, o CDS, na altura liderado por Freitas do Amaral. Mas o contexto era também de crise política e económica. No II Governo Constitucional, Mário Soares recorrera ao Fundo Monetário Internacional e acabara de ser exonerado enquanto líder de um executivo que incluía ministros do CDS.
Caía Soares, subia Nobre da Costa, liderando um executivo de gestores, apelidado de governo tecnocrata. O engenheiro independente chamado por Belém conseguia, como diria Passos ou Portas, dar vida a uma “coligação negativa”. O III Governo Constitucional era o primeiro de três de iniciativa de Ramalho Eanes (a este seguiu-se o de Mota Pinto, que durou seis meses e 20 dias, e o de Maria de Lurdes Pintassilgo, que sobreviveu quatro meses e 27 dias).
Na posse do governo, o Presidente elogiou a sua composição: “um núcleo de homens de qualidade comprovada que, não tendo escolhido a carreira política, aceitaram os encargos governativos com prejuízo para a sua vida pessoal e profissional”. Tecnocrata era, aliás, uma acusação que levaria Nobre da Costa a ironizar: “E parece que isso é um insulto.” Não era um insulto, era até um predicado que lhe seria reconhecido ao longo do debate. Como diria o deputado socialista Salgado Zenha no encerramento do debate: “O sr. primeiro-ministro fez uma intervenção de fé contra a Assembleia da República e contra os partidos políticos. De modo que nós entendemos que essa sua profissão de fé foi reveladora (…) foi útil porque se verificou – e isto sem qualquer quebra de respeito pelo sr. eng.o Nobre da Costa, que nós respeitamos como pessoa e como técnico, isso está fora de discussão –, até pela sua intervenção, que não tem preparação política suficiente para ser o chefe de um governo democrático.”
O argumento da subalternização do parlamento era invocado por outro socialista, José Luís Nunes: “Vivemos num regime democrático que se não coaduna nem com a marginalização dos partidos políticos nem com a subalternização da Assembleia da República, que a todos nós, portugueses, representa. Ora o governo forma-se na marginalização dos primeiros e na subalternização da segunda.”
Na tomada de posse de Nobre da Costa, a 19 de Setembro de 1975, Ramalho Eanes já definira como um “governo de gestão” e até de “duração delimitada”. E, apesar de Eanes terminar o discurso de posse com um “vamos todos trabalhar rumo ao socialismo”, a verdade é que, 18 dias depois, era uma moção dos socialistas que lhe punha um ponto final. Ironias…
Passos na mais curta versão
Agora, 37 anos e três meses depois, a história pode repetir–se. Desta vez, moção conjunta ou moções separadas, tem pouca relevância como tinha então e tudo aponta para que se juntem todas numa só.
Na tomada de posse, o Presidente da República bem tentou dar um sopro de vida: “Para qualquer governo, o horizonte temporal da governação deve ser sempre a legislatura”, disse Cavaco Silva, recuperando o discurso proferido em 2009 na posse de um outro governo minoritário, o do Partido Socialista, liderado então por José Sócrates, mas que durou um ano e oito meses. Mas a distância entre 2009 e 2015 é também muita, e não só temporal.
Na altura, o PS concorria sozinho e reunia quase tantos lugares quantos ocupam nesta legislatura o PSD e o CDS juntos, o que lhe permitia negociar e, assim, crescer à direita ou à esquerda. Passos está preso a uma coligação de direita e à direita não pode crescer mais no actual quadro parlamentar. E, à esquerda, ninguém o quer.
I Governo Constitucional Mais agitada tinha sido a sessão a 9 de Dezembro do ano anterior. Mário Soares liderava o I Governo Constitucional, governo minoritário saído das primeiras legislativas. Soares contava com tantos deputados quantos tem neste momento a coligação liderada por Passos Coelho: 107. Decide a 6 de Dezembro sujeitar o governo a uma moção de confiança que é discutida e votada na madrugada do dia 8 de Dezembro. Mário Soares via a sua moção de confiança ser rejeitada por deputados do PSD, CDS, PCP e UDP. Apenas 100 deputados socialistas votavam a favor. O governo caía cinco meses e oito dias depois de ter tomado posse mas, quando António Arnaut, em substituição do presidente do parlamento, Vasco da Gama Fernandes, revelava os resultados do chumbo da moção de confiança, a bancada do PS irrompia em gritos: “Soares, amigo, o PS está contigo!” O PS estava, mas os restantes não, e caía assim o I Governo Constitucional.
O II Governo de Soares
A 30 de Janeiro de 1978, Ramalho Eanes dava posse ao II Governo Constitucional, liderado por Mário Soares mas em coligação com o CDS, que incluía três ministros neste executivo: Vítor Sá Machado nos Negócios Estrangeiros, Rui Pena na Reforma Administrativa e Basílio Horta no Comércio e Turismo. Freitas do Amaral revelaria mais tarde que Mário Soares tentou o apoio parlamentar do PCP, mas Freitas conseguiu evitá-lo. Vítor Constâncio era o ministro das Finanças e negociaria um empréstimo do FMI.
O governo duraria seis meses, caindo por desentendimento entre PS e CDS. Tudo porque Freitas exigia a demissão de um ministro da Agricultura, Luís Saias, e Soares não cedeu. Freitas do Amaral retirava o apoio ao governo a 24 de Julho e, quatro dias depois, o primeiro-ministro Mário Soares seria exonerado.
Os governos provisórios
Curtos foram também os governos provisórios. O primeiro, de Palma Carlos, durou dois meses e dois dias, não muito menos do que o que lhe sucedeu, o II provisório e o primeiro liderado por Vasco Gonçalves. Provisório e pequeno foi o V governo, chefiado também ele pelo general Vasco Gonçalves. Ainda assim, durou um mês e quatro dias.