Os desafios da rota energética atlântico-ibérica


A conferência da FLAD «EUA, África e Portugal: Horizontes para a segurança energética europeia no gás natural» debateu a possibilidade de Portugal poder ser uma porta de entrada alternativa para o abastecimento de gás natural proveniente dos EUA e de África


O REFORÇO das interligações energéticas transpirenaicas é crucial para que Portugal e Espanha se tornem numa das novas rotas alternativas de abastecimento de gás natural proveniente dos EUA e de África até ao final da presente década. 

Atualmente, a Península Ibérica dispõe de uma capacidade de importação de Gás Natural Liquefeito (GNL) cinco vezes superior às suas necessidades, pronto a ser usado para substituir 25% das importações europeias da Rússia (o equivalente a 44% do gás natural importado pela Ucrânia, o principal ‘chokepoint’ geopolítico nas relações energéticas União Europeia-Rússia), mitigando significativamente o inerente risco geopolítico. 
Todavia, mesmo com esta otimização infraestrutural e diversificação de fontes fornecedoras, com o Atlântico a desempenhar a função de um Corredor Marítimo de gás natural para a Europa, Moscovo será sempre uma fonte estratégica de abastecimento para a Europa.

Estes foram alguns dos pontos debatidos de forma muito viva e aberta na conferência «EUA, África e Portugal: Horizontes para a segurança energética europeia no gás natural», realizada no passado dia 19 de Outubro, no âmbito da linha de investigação «US-Africa Natural Gas 4 Europe» do Programa FLAD Segurança Energética. 
Os resultados da referida iniciativa foram comentados e objeto de reflexão crítica por um painel composto por Agostinho Pereira de Miranda (Miranda & Associados), Félix Ribeiro (IPRI-UNL) e Jorge Borrego (Redes Energéticas Nacionais), tendo como moderador Ricardo Alexandre, jornalista da RTP. O evento contou a com a intervenção final de Pedro Ricardo, administrador da Galp Energia responsável pelo negócio Gas&Power. 

As projeções da Energy Information Administration apontam que até 2020 os EUA e a África Subsaariana (principalmente Moçambique) irão colocar uma produção adicional de 4400 bcf, um valor muito próximo do volume russo importado pela Europa (a Rússia fornece 5000 bcf, com 1100 bcf das importações diretas para a Alemanha via Nordstream – assumindo-se a inverosimilidade da substituição do fornecimento germânico devido a questões contratuais bilaterais de longo prazo entre os dois países). 

Neste contexto, se tomarmos como postulado teórico uma central de GNL em Sines (com uma capacidade de 177 bcf anuais, equivalente à da nova fábrica na Polónia, que fornece 20% do seu consumo), ligada directamente à rede francesa por um ‘pipeline’ terrestre (Sines-França), funcionando na produção máxima, dadas as excelentes condições da infraestrutura portuária para receção de navios de grande porte, os cálculos efetuados indicam que o porto português possui um potencial de substituição de 3,5% do volume de gás natural anualmente importado pela Europa à Rússia. Se ao referido gasoduto Sines-França estiverem conectadas as restantes centrais de GNL espanholas, será teoricamente possível substituir na ordem de 20%-25% das importações russas (1239 bcf), ou seja, 44% do volume transitado via Ucrânia (2776 bcf).

Com efeito, na linha do referencial estratégico anteriormente exposto, a Agência Internacional de Energia (AIE) defendeu no seu último Medium Term Natural Gas Market Report de Agosto de 2015, que para realizar um melhor aproveitamento da capacidade de regasificação da Península Ibérica, dever-se-ia reforçar a interligação de gás natural entre Espanha e França, mas também «a construção de uma nova linha física [pipeline] para aumentar a capacidade de trânsito».

Entre as muitas perspetivas esgrimidas, o debate na conferência da FLAD salientou que a viabilidade técnica e económica desta nova rota atlântico-ibérica está dependente, em parte, não só da incerteza que paira sobre a evolução futura do preço do gás, mas também da competição que advirá do desenvolvimento da produção das novas fontes do mediterrâneo oriental (muito mais próximo geograficamente do sudeste europeu), as quais ganharam reforçada importância com a descoberta gigante no mar egípcio realizada pela italiana ENI. 

Mas a nova rota energética atlântico-ibérica poderá fornecer mais do que gás aos mercados europeus. A eletricidade de fonte renovável também é um produto abundante, o qual é passível de ser «hibridizado» com o gás natural, abrindo desta forma diferentes possibilidades de transporte e utilização de energia.  

Com efeito, o debate realizado apontou para futuro trabalho de investigação a necessidade de modelar em maior detalhe as capacidades de transporte e de armazenamento de gás natural da Península Ibérica (de forma a aferir cenários alternativos à construção de uma nova linha física) em função do consumo europeu. Deverá também analisar-se com maior pormenor a diferenciação das funções de reexportação da rede de centrais de GNL ibéricas, em que, por exemplo, as espanholas poderão ser mais eficientes no transporte terrestre – e Portugal mais vocacionado na vertente marítima. 

Director do Programa de Segurança Energética da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento

 

 

Os desafios da rota energética atlântico-ibérica


A conferência da FLAD «EUA, África e Portugal: Horizontes para a segurança energética europeia no gás natural» debateu a possibilidade de Portugal poder ser uma porta de entrada alternativa para o abastecimento de gás natural proveniente dos EUA e de África


O REFORÇO das interligações energéticas transpirenaicas é crucial para que Portugal e Espanha se tornem numa das novas rotas alternativas de abastecimento de gás natural proveniente dos EUA e de África até ao final da presente década. 

Atualmente, a Península Ibérica dispõe de uma capacidade de importação de Gás Natural Liquefeito (GNL) cinco vezes superior às suas necessidades, pronto a ser usado para substituir 25% das importações europeias da Rússia (o equivalente a 44% do gás natural importado pela Ucrânia, o principal ‘chokepoint’ geopolítico nas relações energéticas União Europeia-Rússia), mitigando significativamente o inerente risco geopolítico. 
Todavia, mesmo com esta otimização infraestrutural e diversificação de fontes fornecedoras, com o Atlântico a desempenhar a função de um Corredor Marítimo de gás natural para a Europa, Moscovo será sempre uma fonte estratégica de abastecimento para a Europa.

Estes foram alguns dos pontos debatidos de forma muito viva e aberta na conferência «EUA, África e Portugal: Horizontes para a segurança energética europeia no gás natural», realizada no passado dia 19 de Outubro, no âmbito da linha de investigação «US-Africa Natural Gas 4 Europe» do Programa FLAD Segurança Energética. 
Os resultados da referida iniciativa foram comentados e objeto de reflexão crítica por um painel composto por Agostinho Pereira de Miranda (Miranda & Associados), Félix Ribeiro (IPRI-UNL) e Jorge Borrego (Redes Energéticas Nacionais), tendo como moderador Ricardo Alexandre, jornalista da RTP. O evento contou a com a intervenção final de Pedro Ricardo, administrador da Galp Energia responsável pelo negócio Gas&Power. 

As projeções da Energy Information Administration apontam que até 2020 os EUA e a África Subsaariana (principalmente Moçambique) irão colocar uma produção adicional de 4400 bcf, um valor muito próximo do volume russo importado pela Europa (a Rússia fornece 5000 bcf, com 1100 bcf das importações diretas para a Alemanha via Nordstream – assumindo-se a inverosimilidade da substituição do fornecimento germânico devido a questões contratuais bilaterais de longo prazo entre os dois países). 

Neste contexto, se tomarmos como postulado teórico uma central de GNL em Sines (com uma capacidade de 177 bcf anuais, equivalente à da nova fábrica na Polónia, que fornece 20% do seu consumo), ligada directamente à rede francesa por um ‘pipeline’ terrestre (Sines-França), funcionando na produção máxima, dadas as excelentes condições da infraestrutura portuária para receção de navios de grande porte, os cálculos efetuados indicam que o porto português possui um potencial de substituição de 3,5% do volume de gás natural anualmente importado pela Europa à Rússia. Se ao referido gasoduto Sines-França estiverem conectadas as restantes centrais de GNL espanholas, será teoricamente possível substituir na ordem de 20%-25% das importações russas (1239 bcf), ou seja, 44% do volume transitado via Ucrânia (2776 bcf).

Com efeito, na linha do referencial estratégico anteriormente exposto, a Agência Internacional de Energia (AIE) defendeu no seu último Medium Term Natural Gas Market Report de Agosto de 2015, que para realizar um melhor aproveitamento da capacidade de regasificação da Península Ibérica, dever-se-ia reforçar a interligação de gás natural entre Espanha e França, mas também «a construção de uma nova linha física [pipeline] para aumentar a capacidade de trânsito».

Entre as muitas perspetivas esgrimidas, o debate na conferência da FLAD salientou que a viabilidade técnica e económica desta nova rota atlântico-ibérica está dependente, em parte, não só da incerteza que paira sobre a evolução futura do preço do gás, mas também da competição que advirá do desenvolvimento da produção das novas fontes do mediterrâneo oriental (muito mais próximo geograficamente do sudeste europeu), as quais ganharam reforçada importância com a descoberta gigante no mar egípcio realizada pela italiana ENI. 

Mas a nova rota energética atlântico-ibérica poderá fornecer mais do que gás aos mercados europeus. A eletricidade de fonte renovável também é um produto abundante, o qual é passível de ser «hibridizado» com o gás natural, abrindo desta forma diferentes possibilidades de transporte e utilização de energia.  

Com efeito, o debate realizado apontou para futuro trabalho de investigação a necessidade de modelar em maior detalhe as capacidades de transporte e de armazenamento de gás natural da Península Ibérica (de forma a aferir cenários alternativos à construção de uma nova linha física) em função do consumo europeu. Deverá também analisar-se com maior pormenor a diferenciação das funções de reexportação da rede de centrais de GNL ibéricas, em que, por exemplo, as espanholas poderão ser mais eficientes no transporte terrestre – e Portugal mais vocacionado na vertente marítima. 

Director do Programa de Segurança Energética da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento