Meninos… mentir é muito feio!


Os adultos mentem. Diaria… mente! Constante… mente! E depois dizemos às crianças para não mentirem… Franca… mente! 


O exemplo consta do excelente filme de Woody Allen “O Homem Irracional”: “Imaginem que os nazis vão a sua casa e perguntam se, no seu sótão, está escondida uma família que tem uma filha, Anne Frank. Responde que sim, dizendo a verdade? Ou mente?” E se essa mentira parece ser totalmente justificável, qual o “nível” a partir do qual a mentira já não é mentira? E se for uma mentira “piedosa”, como não dizer a um doente internado que os seus órgãos não resistirão mais de dois dias? Ou referir a uma criança que o pai, ausente há semanas, ligou a saber dela quando o pai não ligou a saber dela? 

Os adultos mentem. Mentem muitas vezes e mentem com a clara consciência de que o estão a fazer, seja para se desculparem em situações indesculpáveis, seja para se autoconvencerem de que, afinal, “ficaram bem no filme”. Mentem para enganar os outros, para dizer que vendem um bom produto quando se trata de lixo ou para ganharem votos e alcançarem o poder, aproveitando-se da credulidade das pessoas e dos momentos de desespero em que qualquer notícia de um futuro ligeiramente melhor é bem-vinda.

Afinal… o que é mentir? Qual a fronteira entre a mentira e a imaginação? Entre faltar à verdade e mentir? Entre omitir “certos factos” e contar a história “à sua maneira”? Será possível que a mentira até seja a melhor solução em certas situações?

Por vezes é difícil afirmar se uma pessoa está a mentir, porque mentir não é apenas dizer coisas que não são verdadeiras, pressupõe uma atitude deliberada, ostensiva, mais ou menos premeditada, e isso são intenções que só o próprio pode confirmar. Além disso, mesmo nas situações em que a verdade é falseada, poder-se-á perguntar porque é que isso acontece.

Para defesa pessoal? Para evitar consequências desagradáveis? Porque se leu a realidade de maneira diferente? Porque se está convencido de que os factos foram exactamente assim, mesmo quando não foram (o nosso cérebro prega-nos partidas…)?

A história de “o rei vai nu” baseia-se no dado adquirido de que as crianças nunca mentem. Todavia, o dia-a-dia encarrega-se de desmentir (cá está o verbo…) esses conceitos: as crianças, por vezes, mentem, seguindo em muitos casos o exemplo dos pais, educadores e… políticos… De qualquer modo é igualmente verdade que há que ter cuidado em interpretar essas “mentiras”.

Mais: qual a associação entre mentir, especialmente quando se é criança, e a aquisição ou demonstração de valores éticos de honestidade e desonestidade? De rigor e falta dele? Se lealdade ou deslealdade? Será que quem mente uma vez mentirá para sempre? A falta de estudos científicos nesta área ainda nos traz mais dificuldades na análise desta questão.

As crianças pequenas, de quatro, cinco anos, gostam de inventar histórias e fábulas. Faz parte do seu desenvolvimento e a distorção da verdade é, portanto, normal porque há uma “zona cinzenta” entre a realidade e a fantasia. Com o crescimento aprenderão a distingui-las, mas é comum irem até tarde nesta miscelânea – basta lembrar os amigos imaginários com quem falam e que “vêem.”

À medida que somos mais velhos, já começamos a mentir como defesa, como negação das evidências. Outro tipo de mentira é a que pretende conseguir objectivos pessoais, ou seja, uma estratégia para iludir os outros como se de parvos se tratassem. Há que fazer ver ao “mentiroso” que, por muito que doa, não é mentindo mas sim negociando que se conseguem (ou não!) as coisas.

Há também quem minta para chamar a atenção, geralmente adicionando pormenores exóticos, mas à primeira vista credíveis, nas histórias que inventa – trata-se de uma mitomania de pessoas com traços narcísicos que faz virar os holofotes sobre a sua pessoa.

Mentir é eticamente errado. Ao mentir, uma pessoa não está apenas a enganar os outros, está a banalizar um comportamento indesejável e a perder, dia após dia, mentira após mentira, a sua credibilidade.

Quando vemos (e “televemos”) adultos, com cargos responsáveis, a dizerem uma coisa num dia e outra noutro, nem sequer podendo dizer que alteraram a sua posição em consequência de novas circunstâncias e contextos ou como fruto de negociações e de procura de consensos, como dizer às crianças para não mentirem? Elas vêem os “crescidos” a mentir. Todos os dias. E não compreendem porque estão impedidas de fazer aquilo que os pais, educadores e adultos em geral fazem. Mentir, salvo raríssimas excepções, é um atentado à dignidade social e pessoal. Quando é que os adultos entenderão isso?

Pediatra
Escreve à terça-feira 

Meninos… mentir é muito feio!


Os adultos mentem. Diaria... mente! Constante… mente! E depois dizemos às crianças para não mentirem… Franca… mente! 


O exemplo consta do excelente filme de Woody Allen “O Homem Irracional”: “Imaginem que os nazis vão a sua casa e perguntam se, no seu sótão, está escondida uma família que tem uma filha, Anne Frank. Responde que sim, dizendo a verdade? Ou mente?” E se essa mentira parece ser totalmente justificável, qual o “nível” a partir do qual a mentira já não é mentira? E se for uma mentira “piedosa”, como não dizer a um doente internado que os seus órgãos não resistirão mais de dois dias? Ou referir a uma criança que o pai, ausente há semanas, ligou a saber dela quando o pai não ligou a saber dela? 

Os adultos mentem. Mentem muitas vezes e mentem com a clara consciência de que o estão a fazer, seja para se desculparem em situações indesculpáveis, seja para se autoconvencerem de que, afinal, “ficaram bem no filme”. Mentem para enganar os outros, para dizer que vendem um bom produto quando se trata de lixo ou para ganharem votos e alcançarem o poder, aproveitando-se da credulidade das pessoas e dos momentos de desespero em que qualquer notícia de um futuro ligeiramente melhor é bem-vinda.

Afinal… o que é mentir? Qual a fronteira entre a mentira e a imaginação? Entre faltar à verdade e mentir? Entre omitir “certos factos” e contar a história “à sua maneira”? Será possível que a mentira até seja a melhor solução em certas situações?

Por vezes é difícil afirmar se uma pessoa está a mentir, porque mentir não é apenas dizer coisas que não são verdadeiras, pressupõe uma atitude deliberada, ostensiva, mais ou menos premeditada, e isso são intenções que só o próprio pode confirmar. Além disso, mesmo nas situações em que a verdade é falseada, poder-se-á perguntar porque é que isso acontece.

Para defesa pessoal? Para evitar consequências desagradáveis? Porque se leu a realidade de maneira diferente? Porque se está convencido de que os factos foram exactamente assim, mesmo quando não foram (o nosso cérebro prega-nos partidas…)?

A história de “o rei vai nu” baseia-se no dado adquirido de que as crianças nunca mentem. Todavia, o dia-a-dia encarrega-se de desmentir (cá está o verbo…) esses conceitos: as crianças, por vezes, mentem, seguindo em muitos casos o exemplo dos pais, educadores e… políticos… De qualquer modo é igualmente verdade que há que ter cuidado em interpretar essas “mentiras”.

Mais: qual a associação entre mentir, especialmente quando se é criança, e a aquisição ou demonstração de valores éticos de honestidade e desonestidade? De rigor e falta dele? Se lealdade ou deslealdade? Será que quem mente uma vez mentirá para sempre? A falta de estudos científicos nesta área ainda nos traz mais dificuldades na análise desta questão.

As crianças pequenas, de quatro, cinco anos, gostam de inventar histórias e fábulas. Faz parte do seu desenvolvimento e a distorção da verdade é, portanto, normal porque há uma “zona cinzenta” entre a realidade e a fantasia. Com o crescimento aprenderão a distingui-las, mas é comum irem até tarde nesta miscelânea – basta lembrar os amigos imaginários com quem falam e que “vêem.”

À medida que somos mais velhos, já começamos a mentir como defesa, como negação das evidências. Outro tipo de mentira é a que pretende conseguir objectivos pessoais, ou seja, uma estratégia para iludir os outros como se de parvos se tratassem. Há que fazer ver ao “mentiroso” que, por muito que doa, não é mentindo mas sim negociando que se conseguem (ou não!) as coisas.

Há também quem minta para chamar a atenção, geralmente adicionando pormenores exóticos, mas à primeira vista credíveis, nas histórias que inventa – trata-se de uma mitomania de pessoas com traços narcísicos que faz virar os holofotes sobre a sua pessoa.

Mentir é eticamente errado. Ao mentir, uma pessoa não está apenas a enganar os outros, está a banalizar um comportamento indesejável e a perder, dia após dia, mentira após mentira, a sua credibilidade.

Quando vemos (e “televemos”) adultos, com cargos responsáveis, a dizerem uma coisa num dia e outra noutro, nem sequer podendo dizer que alteraram a sua posição em consequência de novas circunstâncias e contextos ou como fruto de negociações e de procura de consensos, como dizer às crianças para não mentirem? Elas vêem os “crescidos” a mentir. Todos os dias. E não compreendem porque estão impedidas de fazer aquilo que os pais, educadores e adultos em geral fazem. Mentir, salvo raríssimas excepções, é um atentado à dignidade social e pessoal. Quando é que os adultos entenderão isso?

Pediatra
Escreve à terça-feira