© Antonio Pedro Santos
Ainda haverá eventualmente alguém que possa entender como possível que o Presidente da República venha a manter um “governo de gestão” em funções durante largos meses, sem qualquer justificação para isso, para além da extraordinária razão que seria impossibilitar que quatro ou cinco dos sete partidos com assento parlamentar tivessem uma palavra a dizer na constituição de um governo.
Os governos de gestão encontram-se, no nosso sistema, basicamente em dois momentos: após a demissão do governo, o que ainda não sucedeu; e após a sua tomada de posse e antes da apreciação do seu programa pela Assembleia da República, que decorrerá na próxima semana.
Mas uma vez apreciado e votado este programa, caso seja rejeitado, o governo terá necessariamente de se demitir, de acordo com a regra constitucional. Portanto, aquilo que alguns designam, com benevolência futura, de governo de gestão é na realidade um governo demissionário que o Presidente – este e o próximo – deveriam manter como tal até Abril, uma vez que apenas neste momento poderia haver novas eleições… Impossível, portanto, se se quiser ser minimamente sério nestas coisas.
Uma das ideias que têm sido lançadas é que não se sabe muito bem o que pode e não pode um governo de gestão fazer, que isso depende do intérprete em causa, etc. Este argumento, que é verdadeiramente um não argumento, é tipicamente português… A Constituição estabelece quando um governo se considera “em gestão” e afirma que este governo “limitar-se-á à prática dos actos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócio públicos”. O que há aqui de francamente dúbio ou discutível?
Mesmo admitindo que possa haver dúvidas em relação a algumas possibilidades, países que têm descrito ao pormenor o que podem e não podem os governos “caretaker” fazer, como a Austrália, a Nova Zelândia ou mesmo a Grã-Bretanha, através de guias e circulares detalhadas sobre a actuação permitida nestas ocasiões, são muito claros em afirmar que os governos de gestão não podem decidir sobre assuntos controversos ou assumir decisões relevantes que possam ter implicações para além do seu período de gestão, vinculando um próximo governo.
Assim, a proposta de um Orçamento do Estado ou a assunção de compromissos financeiros junto de organizações internacionais, como a União Europeia, seriam manifestamente impossíveis, para mais num contexto de um governo com apoio minoritário no parlamento e sem acordo previsível com os demais partidos.
Porque haveria de por cá ser diferente? Assim, a nossa realidade apenas indica um de dois caminhos: ou a actual oposição se entende, rejeita o programa de governo que lhe seja apresentado e se apresenta em condições de formar um novo governo; ou não se entende e deve permitir ao actual governo manter-se em funções plenas. Qualquer uma destas soluções é legítima, legal e possível, e cabe apenas ao parlamento a decisão.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Escreve à terça-feira