A arbitragem em litígios emergentes de relações de direito administrativo manteve-se nos últimos anos cativa do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), não granjeando da mesma sorte que a arbitragem voluntária nacional, que soube desenvolver–se e autonomizar-se fora dos muros processuais, procurando assim fugir aos cânones do processo civil.
A anterior reforma do contencioso administrativo em 2002, da qual resultou o CPTA, definiu quais as matérias em que os litígios administrativos podem ser sujeitos a arbitragem, isto é, matérias contratuais, responsabilidade civil extracontratual e alguns actos administrativos que possam ser revogados sem fundamento na sua invalidade, bem como alguns litígios emergentes de relações jurídicas de emprego público. Por outras palavras, com tal enumeração o legislador pretendeu arredar a possibilidade de os tribunais arbitrais anularem, ou declararem nulos, actos administrativos, destruindo todos os efeitos na ordem jurídica, fora das hipóteses referidas anteriormente.
Entretanto passaram-se 13 anos, e a onda imparável da arbitragem, enquanto forma de resolução alternativa de litígios – que varreu algumas áreas do direito, estando desde logo à cabeça as relações contratuais comerciais – acabou por ser recebida pelo direito administrativo, como que antecipando o eventual alargamento do âmbito da arbitragem à apreciação da legalidade de actos administrativos, domínio que tradicionalmente era da competência exclusiva dos tribunais do Estado.
A reforma do contencioso administrativo entrará em vigor já no próximo dia 2 de Dezembro de 2015. O âmbito da jurisdição arbitral é estendido às questões relativas à validade de actos administrativos, salvo nos casos em que a lei disponha em contrário, tornando-se equiparada ao âmbito da jurisdição dos tribunais do Estado.
Trata-se de uma alteração de fundo muito significativa. Abre-se assim as portas a que os particulares possam discutir com a administração, em sede arbitral, desde que cumpridos certos pressupostos, a validade e a eficácia de actos administrativos. E que o façam nos mesmos termos em que o fazem nos tribunais do Estado, isto é, com a possibilidade de os tribunais arbitrais os anularem, ou declararem nulos, com a consequente destruição de todos os seus efeitos na ordem jurídica. O legislador foi capaz de dar esse longo passo, mas manteve inalterado, a título de exemplo, um aspecto que pode minar a bondade da solução preconizada. Realmente manteve a figura dos contra–interessados em moldes excessivamente centrais. Ou seja, sem a aceitação do compromisso arbitral por parte de todos os contra-interessados não se considera regularmente constituído o tribunal arbitral, o que na prática poderá vir a revelar-se um factor desacelerador do sucesso da arbitragem em matéria de actos administrativos.
Por outro lado, é introduzida a obrigatoriedade de publicidade, por via informática, em base de dados organizada pelo Ministério da Justiça, das decisões proferidas por tribunais arbitrais que já não sejam passíveis de recurso. Essa opção pela transparência está de acordo com as melhores práticas internacionais e vai ajudar a credibilizar a arbitragem por destruir uma atmosfera de suspeições injustificadas que a confidencialidade ajudava a manter. E tem a vantagem adicional de, permitindo o acesso e o correspondente escrutínio das decisões arbitrais, contribuir para a uniformização das soluções adoptadas. Só a prática e o tempo dirão de que forma foi aproveitada esta oportunidade.
Associado sénior de PLMJ