Até à rejeição do governo que ontem tomou posse restam dez dias e, a esta distância do fim, o Presidente da República mantém – ainda que num tom menos tenso – que a solução tem de estar no centro ideológico, fiel aos compromissos internacionais. Custe o que custar a Passos Coelho, que Cavaco quer ver a fazer um “esforço de diálogo”, e a António Costa, a quem ainda não viu “uma solução alternativa de governo estável, coerente e credível”.
Os esforços de um acordo à esquerda continuam a não convencer o chefe de Estado, que ontem, na tomada de posse do executivo PSD/CDS, aproveitou para sublinhar a sua leitura dos resultados eleitorais, que mostraram de forma “clara e inequívoca” o apoio “por esmagadora maioria da opção europeia, com todas as implicações que daí decorrem”. Disse-o mais do que uma vez, já depois de ter ditado que não basta uma solução “estável” e “credível”, mas também “coerente”, que não reconhece numa aliança PS/BE/PCP.
Legitimidade O discurso de Cavaco teve quase sempre o PS como destinatário principal, aproveitando até o argumento Sócrates/2009, ou seja, quando empossou um governo socialista minoritário a quem reconheceu, no dia da tomada de posse, “plena legitimidade” para governar e cujo “horizonte temporal de acção deve ser sempre a legislatura”. Em duas citações trazidas de Outubro de 2009 – perante a mesma Sala dos Embaixadores no Palácio da Ajuda, mas dessa vez plena de socialistas –, Cavaco refutou o argumento de falta de legitimidade deste governo, prometendo-lhe “lealdade institucional”.
Diálogo Mas a Passos também pediu, de forma clara, que “prossiga o esforço de diálogo e compromisso com as demais forças partidárias, buscando os entendimentos necessários à salvaguarda do superior interesse nacional”. O primeiro-ministro falou a seguir, alinhado neste propósito: “O sentido de compromisso e da negociação será agora renovado e fortalecido”.
Mas isto foi nos discursos da praxe. Horas depois, em entrevista à TSF, o vice-presidente do PSD MarcoAntónio Costa dramatizava a possibilidade de entendimentos com o PS no futuro, se os socialistas deitarem abaixo o actual governo.“Não é possível pactuarmos ou alimentarmos um governo nestas circunstâncias”, disse o social-democrata, que até chegou a vaticinar que “o PS, depois deste longo namoro com o Bloco de Esquerda e com o PCP, terá um casamento para a vida.”
Compromissos
A diabolização da esquerda radical é o argumento de peso à direita e tem apoio em Belém, que coloca a tónica da governabilidade na inexistência de “quaisquer dúvidas sobre a fidelidade do Estado português aos compromissos internacionais que assumiu”. E até detalhou quais: Pacto de Estabilidade e Crescimento, pacotes legislativos do Six Pack e Two Pack, o Tratado Orçamental, a união bancária e acordos com países da comunidade portuguesa e organizações internacionais de defesa e segurança. Todos eles pouco caros (para dizer o mínimo) a PCP e BE, que defendem mesmo “rasgar” alguns deles.
Impacto Este é o campo onde Cavaco Silva tem colocado uma pitada de drama e ontem voltou a ele, dizendo que “sem estabilidade política, Portugal tornar–se-á um país ingovernável. E, como é evidente, ninguém confia num país ingovernável”.
Os impactos externos de uma crise política aguda foram também pano para a carga dramática de Passos Coelho que, na mesma sala, minutos depois, diria que Portugal recuperou “confiança e a ambição”:“Activos que não podemos desperdiçar. Num contexto em que a incerteza tem um custo tão elevado que a confiança rapidamente se destrói e em que a competitividade facilmente se evapora, os desvios precipitados podiam deitar tudo a perder.” Foi o ponto do discurso que a oposição mais directa, o PS, aproveitou para “subscrever” – o “reconhecimento das fragilidades económicas, sociais e financeiras que o país atravessa e conserva”, mas que “contrastam com a propaganda eleitoral que foi feita pela direita” na campanha. Esta picardia entre as duas partes que Cavaco Silva insiste em pôr de acordo não abranda. Também Passos Coelho não a esqueceu quando disse que “ninguém deve arriscar o bem-estar dos portugueses em nome de uma agenda ideológica ou de ambições políticas pessoais ou partidárias”.
“São sempre precisos dois para um acordo”, avisou ontem o líder parlamentar do CDS, Nuno Magalhães. Ou como diria José Sócrates, em 2010, também a braços com um governo minoritário e com um Orçamento do Estado no colo, “são precisos dois para dançar o tango”. Na altura, Passos não dançou. Costa tem dançado noutra pista.