Poupança


Precisamos de aumentar a poupança para dar sustentabilidade à recuperação económica.


Aproveito o facto de hoje ser Dia Mundial da Poupança para falar sobre este importante tema. Devo começar por dizer que a principal razão que nos levou para os braços da troika foram os elevados défices externos, iniciados em 1996, que podem também ser lidos como representando um défice de poupança em relação ao investimento que fizemos.

Nos primeiros anos registou-se um aumento do investimento, quer público (em auto-estradas inúteis, etc.), quer privado, em milhares de habitações, muitas das quais por mera especulação, que depois foram difíceis de vender. Para além disso, houve também uma diminuição da poupança, tendo os défices externos permanecido imenso tempo intactos em cerca de 10% do PIB, um valor elevadíssimo que já tinha justificado anteriormente dois pedidos desesperados de ajuda ao FMI. No entanto, dentro do euro, a loucura parecia autorizada e muitos responsáveis, incluindo Constâncio, acharam isto “normal”.

A partir de 2011, com a chegada da troika, foi colocado um ponto final a este delírio, tendo a redução do défice externo sido a única coisa em que Portugal foi além da troika. Infelizmente, a forma como isto foi conseguido não foi a mais saudável, já que se deveu a uma redução drástica do investimento, que caiu de 21% para 15% do PIB entre 2010 e 2013, tendo recuperado muito ligeiramente desde então. Um nível tão baixo de investimento é preocupante por duas razões: porque é inferior ao necessário à mera substituição de investimento obsoleto, pelo que implica que o stock total de capital está a cair; porque significa que mal recuperemos valores mais normais, regressaremos aos défices externos.

Também se tem de dizer que uma parte menor do ajustamento externo se deveu a um aumento limitado da poupança. 
É neste quadro geral que precisamos de ler a recente queda da poupança das famílias, que passou de 11,4% do rendimento disponível em 1999 (início desta série) para apenas 5,0% no 2.o trimestre deste ano. Esta evolução é certamente preocupante, embora seja conveniente acrescentar dois reparos.

Em primeiro lugar, a poupança serve para financiar investimento e uma parte esmagadora da poupança das famílias é habitualmente usada para investimento pelas próprias famílias, sobretudo na compra de novas habitações e na reparação das antigas. O que os dados revelam é que, em parte, a redução da poupança das famílias acompanhou a redução do seu investimento, que tem sido contínua no novo século. Isto é de tal forma notório que a poupança que as famílias deixam disponível para ser usada pelo resto da economia é agora de 2% do PIB, superior inclusive ao 1% do PIB que se verificava em 1999, embora claramente abaixo dos valores dos últimos anos. 

Em segundo lugar, a poupança das famílias tem um comportamento contrário ao ciclo económico, sobretudo devido ao consumo de bens duradouros (automóveis, electrodomésticos, etc.). Quando se dá uma quebra no rendimento, a primeira coisa que as pessoas fazem é adiar a troca de automóvel, uma poupança muito eficaz com uma perda mínima de bem-estar. Quando a economia e a confiança recuperam, este consumo reprimido já pode manifestar-se e é isso, em grande parte, o que está a acontecer, com a queda recente da poupança a ser explicada em 80% pela recuperação do consumo de bens duradouros. Ou seja, há aqui um elemento conjuntural que poderá estar a exagerar a queda da poupança das famílias.

Qualquer solução para este problema não deve passar por criar benefícios fiscais para o produto financeiro X, que apenas desvia recursos doutras aplicações, mas pela eliminação de obstáculos ao investimento, nomeadamente as absurdas dificuldades em transaccionar obrigações em bolsa, que não existiam há 30 anos. 

Economista 
Escreve ao sábado

Poupança


Precisamos de aumentar a poupança para dar sustentabilidade à recuperação económica.


Aproveito o facto de hoje ser Dia Mundial da Poupança para falar sobre este importante tema. Devo começar por dizer que a principal razão que nos levou para os braços da troika foram os elevados défices externos, iniciados em 1996, que podem também ser lidos como representando um défice de poupança em relação ao investimento que fizemos.

Nos primeiros anos registou-se um aumento do investimento, quer público (em auto-estradas inúteis, etc.), quer privado, em milhares de habitações, muitas das quais por mera especulação, que depois foram difíceis de vender. Para além disso, houve também uma diminuição da poupança, tendo os défices externos permanecido imenso tempo intactos em cerca de 10% do PIB, um valor elevadíssimo que já tinha justificado anteriormente dois pedidos desesperados de ajuda ao FMI. No entanto, dentro do euro, a loucura parecia autorizada e muitos responsáveis, incluindo Constâncio, acharam isto “normal”.

A partir de 2011, com a chegada da troika, foi colocado um ponto final a este delírio, tendo a redução do défice externo sido a única coisa em que Portugal foi além da troika. Infelizmente, a forma como isto foi conseguido não foi a mais saudável, já que se deveu a uma redução drástica do investimento, que caiu de 21% para 15% do PIB entre 2010 e 2013, tendo recuperado muito ligeiramente desde então. Um nível tão baixo de investimento é preocupante por duas razões: porque é inferior ao necessário à mera substituição de investimento obsoleto, pelo que implica que o stock total de capital está a cair; porque significa que mal recuperemos valores mais normais, regressaremos aos défices externos.

Também se tem de dizer que uma parte menor do ajustamento externo se deveu a um aumento limitado da poupança. 
É neste quadro geral que precisamos de ler a recente queda da poupança das famílias, que passou de 11,4% do rendimento disponível em 1999 (início desta série) para apenas 5,0% no 2.o trimestre deste ano. Esta evolução é certamente preocupante, embora seja conveniente acrescentar dois reparos.

Em primeiro lugar, a poupança serve para financiar investimento e uma parte esmagadora da poupança das famílias é habitualmente usada para investimento pelas próprias famílias, sobretudo na compra de novas habitações e na reparação das antigas. O que os dados revelam é que, em parte, a redução da poupança das famílias acompanhou a redução do seu investimento, que tem sido contínua no novo século. Isto é de tal forma notório que a poupança que as famílias deixam disponível para ser usada pelo resto da economia é agora de 2% do PIB, superior inclusive ao 1% do PIB que se verificava em 1999, embora claramente abaixo dos valores dos últimos anos. 

Em segundo lugar, a poupança das famílias tem um comportamento contrário ao ciclo económico, sobretudo devido ao consumo de bens duradouros (automóveis, electrodomésticos, etc.). Quando se dá uma quebra no rendimento, a primeira coisa que as pessoas fazem é adiar a troca de automóvel, uma poupança muito eficaz com uma perda mínima de bem-estar. Quando a economia e a confiança recuperam, este consumo reprimido já pode manifestar-se e é isso, em grande parte, o que está a acontecer, com a queda recente da poupança a ser explicada em 80% pela recuperação do consumo de bens duradouros. Ou seja, há aqui um elemento conjuntural que poderá estar a exagerar a queda da poupança das famílias.

Qualquer solução para este problema não deve passar por criar benefícios fiscais para o produto financeiro X, que apenas desvia recursos doutras aplicações, mas pela eliminação de obstáculos ao investimento, nomeadamente as absurdas dificuldades em transaccionar obrigações em bolsa, que não existiam há 30 anos. 

Economista 
Escreve ao sábado